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Publicado em 23/02/2017 as 5:30pm

Um mês de Trump: retórica implacável já cobra seu preço

Trapalhadas, brigas e centenas de postos-chave em aberto: o primeiro mês do novo presidente dos EUA seria engraçado se não fosse trágico

“Eu sozinho consigo consertar [os problemas do país]”, disse Donald Trump em julho do ano passado, no discurso em que aceitou a indicação para ser o candidato do Partido Republicano à Presidência. As palavras foram interpretadas na época como uma mistura de megalomania e populismo messiânico, proferidas por um empresário bem-sucedido, mas sem a menor chance de ser eleito presidente dos Estados Unidos.

Hoje, elas têm outro significado. Meras quatro semanas depois da posse, um nome-chave do governo já caiu (Michael Flynn saiu do Conselho de Segurança Nacional por ter mentido sobre a conversa que teve com o embaixador russo em Washington), assessores brigam abertamente e centenas de cargos do segundo e do terceiro escalão continuam vagos. Trump repete que herdou “uma bagunça” de Barack Obama, mas todos os sinais apontam o contrário. Foi o novo inquilino quem colocou a Casa Branca de pernas para o ar.

De todas as trapalhadas cometidas pelo novo governo em um mês, talvez a mais ilustrativa tenha acontecido em Mar-a-Lago, clube privado pertencente à empresa de Trump na Flórida e que tem sido o destino escolhido pelo presidente para passar seus dias de folga. Trump levou Shinzo Abe, o premiê japonês, para passar um fim de semana no clube no começo de fevereiro. Durante o jantar, na presença de vários sócios do clube, soube-se que a Coreia do Norte tinha testado um míssil balístico. Trump e Abe interromperam a refeição enquanto assessores começaram a correr de um lado para o outro com celulares e laptops.

A cena foi registrada em fotos e relatada no Facebook por Richard DeAgazio, um novo sócio do Mar-a-Lago que acompanhava tudo a pouca distância. “Uau… no centro dos acontecimentos!!!”, escreveu DeAgazio na rede social. “Em geral não é um lugar em que você faz esse tipo de coisa”, disse o senador republicano Marco Rubio, em referência aos protocolos de segurança e sigilo empregados quando o presidente lida com assuntos confidenciais.

O lapso está sendo investigado por uma comissão da Câmara, mas esse está longe de ser o pior dos problemas. O governo americano tem cerca de 700 cargos de alto escalão que dependem do aval do Senado. Destes, só 35 foram indicados por Trump até agora. Ao todo, o presidente tem cerca de 4 000 indicações para fazer.

Não faltam nomes qualificados entre os republicanos para preencher muitas das vagas, mas Trump concorreu à Presidência fazendo oposição não apenas aos democratas mas também a companheiros de partido. E o novo presidente é conhecido por guardar mágoas dos críticos. Elliott Abrams, cotado para ser o segundo nome mais importante do Departamento de Estado e candidato preferido do titular da pasta, Rex Tillerson, foi rejeitado por ter feito críticas a Trump durante a campanha. Apenas três dos 15 secretários executivos dos ministérios foram escolhidos até a última semana de fevereiro.

A retórica implacável contra a ordem estabelecida e contra a política tradicional, um dos pilares dos tempos de campanha, agora cobra seu preço. Mais de 100 especialistas em segurança nacional ligados ao Partido Republicano assinaram documentos criticando a postura de Trump durante o período eleitoral. Se o presidente quer distância deles, o inverso também é verdade. O militar da reserva Robert Harward, preferido de Trump para assumir o lugar de Flynn como conselheiro de Segurança Nacional, recusou o convite alegando questões familiares e financeiras (Harward é executivo da empresa de equipamentos de defesa Lockheed Martin).

Segundo relatos da imprensa americana, entretanto, Harward também estaria preocupado com a desorganização e com a imprevisibilidade da Casa Branca sob o comando de Trump, composta essencialmente de pessoas sem experiência governamental. Depois de dias de especulação, Trump anunciou para o cargo o general da reserva Herbert Raymond McMaster, um respeitado estrategista militar.

A bagunça reinante na Casa Branca até agora é a conjunção de vários fatores, mas um parece ter mais peso. Ao que tudo indica, Trump não se deu conta de que é impossível governar como se ainda estivesse em campanha, com apenas um pequeno grupo de colaboradores. Não funciona. E, quando escolhe alguém, sua equipe tem investido pouco tempo no processo de verificação do histórico do candidato. Andrew Puzder, indicado para a Secretaria do Trabalho, retirou-se do processo de confirmação oficial depois da revelação de um vídeo de 27 anos atrás em que sua ex-mulher dizia ter sido vítima de violência doméstica. É o tipo de embaraço público que deveria ter sido notado antes da indicação.

Outro problema para Trump é a queda de braço entre os assessores mais próximos do presidente, o que ficou evidente com o fiasco do decreto que proibia a entrada de cidadãos de sete países majoritariamente muçulmanos. Stephen Bannon, estrategista-chefe da Casa Branca, é considerado o idealizador da medida, mas jogou o fracasso da implementação nas costas de Reince Priebus, chefe de gabinete da Presidência e responsável pela construção de pontes com o Congresso. Os inúmeros vazamentos sobre as rixas internas — um deles dá conta de que Priebus nem sequer é convidado para reuniões importantes — são mais um indício do desgoverno em Washington.

Em meio às brigas, Trump está procurando conselhos fora da Casa Branca. Segundo o site Politico, o presidente conversou com o megainvestidor Stephen Schwarzman e, recentemente, reuniu-se com Chris -Ruddy, um amigo de longa data que preside uma empresa de mídia regional. Trump “só faz perguntas quando está descontente”, disse ao Politico uma pessoa próxima do presidente. “Se acha que tudo vai bem, ele só fala de como as coisas estão indo bem.”

Enquanto os tropeços se acumulam e Trump usa suas aparições públicas para acusar a mídia de um grande complô, as promessas feitas aos eleitores estão em segundo plano. O decreto anti-imigração foi bloqueado pela Justiça e está sendo reescrito. Uma alternativa ao programa de saúde criado por Obama continua sendo negociada no Congresso. Tampouco há notícias do prometido plano de 1 trilhão de dólares para a infraestrutura.

Para os defensores do presidente, ainda é cedo para esse tipo de cobrança. Mas a sensação de desordem na Casa Branca é tal que nem as discussões no Congresso estão progredindo. E o presidente parece mais preocupado em criticar os congressistas pela suposta demora na confirmação dos nomes já indicados. “Trump ficou famoso interpretando um personagem no programa O Aprendiz”, diz Jennifer Mercieca, professora na Universidade Texas especialista em retórica política. “Esse personagem, chamado Donald Trump, era sempre a pessoa mais inteligente da sala, a mais poderosa. Mas isso foi criado com roteiros e edição.” Na vida real, Trump parece mais um aprendiz de presidente.

Fonte: http://exame.abril.com.br

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