Publicado em 2/03/2009 as 12:00am
Nas cidades menos desenvolvidas do país, salário mensal é de R$ 40
Número de desempregados é grande, e falta acesso a água encanada. Preço dos alimentos é alto, e gasolina chega a custar mais que na Europa
Esses lugares ficam todos no Brasil. São Jordão e Tarauacá, no Acre; Manari, em Pernambuco; e Traipu, em Alagoas. É o “Brasil dos excluídos”, onde se encontram os menores índices de desenvolvimento humano do país.
No alto do morro fica Traipu, no agreste de Alagoas, 25 mil habitantes. A cidade fica próxima ao rio São Francisco, mas a água do rio é suja e não serve para essa população que espera na sombra pela chegada do caminhão-pipa.
"Sai muita confusão, muita gente briga pela água", diz uma moradora. A água que o caminhão do governo traz uma vez por semana não dá para todos. Água encanada por aqui ainda é promessa. Qualquer pouquinho é bem-vindo.
A 130 quilômetros de Traipu fica a cidade de Manari, no sertão de Pernambuco, onde vivem pouco mais de 17 mil pessoas. Na cidade, água encanada só existe nas cobranças. “Chega o papel da água, mas não chega água. Só chega a cobrança e nada da água”, reclama o desempregado José Aureliano da Silva Filho.
Sem água
Em sete meses, José Aureliano já recebeu mais de R$ 100 em contas
de uma água que nunca viu. “A gente fala para eles, eles falam
que vai (sic) ajeitar para chegar a água para cá. Como é que a
gente vai pagar uma coisa que não consome? Aí não tem
condições”, diz ele.
“Eu tenho que ir até na cisterna do hospital ali,
e pego água e venho e trago, boto no pote. É como a gente
sobrevive”, explica José.
Os filhos de Maria Rodrigues nunca tomaram um
banho de chuveiro na vida. "Nós tomamos banho de balde, e
banheiro não tem. Quando a pessoa quer fazer as necessidades vai
para o mato”, conta a dona-de-casa.
Sem emprego
Dona Maria jamais teve um emprego. “Aqui não existe isso para
pobre, não”, diz ela.
José e Adelma também são desempregados, como quase
todos em Manari. Vivem com o dinheiro de benefícios do governo e
ajuda de parentes.
“A mãe dele nos ajuda um pouco. Se não fosse isso,
a gente passava precisão (sic)”, diz a desempregada Adelma da
Silva.
Na língua indígena tupi, 'amanari' quer
dizer água da chuva. Não é à toa que a cidade fica tão alegre
quando chove. A população aproveita para encher os baldes e
tomar banho. E a criançada brinca nos barris e caixas
d'água.
No outro extremo do país, mais de 3 mil
quilômetros a oeste dali, fica Jordão, estado do Acre. Um dos
lugares mais remotos do Brasil. Cerca de 6,3 mil pessoas vivem
aqui.
“Isso aqui é o fim do mundo. Foi onde o vento fez
a curva. O pessoal até fala um ditado 'onde o sabão não
lava'", diz o comerciante Dionísio de Farias.
Jordão fica a uma semana de barco de Tarauacá,
também no Acre, município do qual depende para abastecimento.
O barqueiro Radamés Lopes acabou de voltar de lá,
onde foi comprar material de construção. “Levei sete dias para
vir de Tarauacá até aqui", conta ele. “A viagem é difícil.
Você sai 5 horas da manhã. Encosta de noite muitas vezes. Dorme
dentro do barco, bebe a água do rio mesmo.”
O isolamento é tamanho que muitas pessoas jamais viram um chuchu,
por exemplo. “Se você perguntar aqui na cidade, de cem pessoas,
duas ou três vão saber o que é chuchu", diz Dionísio.
Traipu, Jordão e Manari são as três últimas
colocadas na classificação do IDH dos municípios brasileiros.
IDH é o Índice de Desenvolvimento Humano, medida criada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) para avaliar a qualidade de
vida no mundo.
O cálculo do IDH leva em consideração três fatores
básicos: expectativa de vida, nível de educação e a renda da
população. Todos eles quesitos em que as três cidades tiram
notas muito baixas.
A última colocada de todas é Manari, campeã
brasileira da mortalidade infantil e segunda menor renda per
capita do país. Aqui, as poucas pessoas que têm emprego ganham
menos de um décimo do salário-mínimo determinado pela Constituição.
Salário de R$ 40 por mês
A doméstica Maria Charliana da Silva, por exemplo, diz ganhar R$
40 por mês para trabalhar em uma casa de família. “É o único
emprego que tem para a pessoa trabalhar aqui. Não tem outra
coisa para a pessoa trabalhar por aqui. Tem que ser isso mesmo”,
explica ela, que conta receber também R$ 82 de Bolsa-Família.
Jane da Silva nasceu em São Paulo e foi morar em
Manari em 2001. Ela trabalha na prefeitura. “Eu tenho uma
empregada na minha casa e eu pago R$ 40 pra ela (por mês)”,
conta Jane, que relata ter recebido, durante uma temporada em
São Paulo, R$ 50 por dia de faxina.
“Ela não lava, não faz a comida, mas ela limpa
todos os dias a minha casa, e eu pago R$ 40”, conta a
funcionária pública. “As pessoas daqui ganham R$ 30, R$ 50, R$
60, mais do que isso não ganha.”
Filhos como renda
Só quem presta concurso público e trabalha na prefeitura ganha
salários maiores. Como 86% dos habitantes de Manari sabem
escrever apenas o próprio nome, muitos acabam procurando uma
alternativa.
“Todas essas pessoas são agricultores. E sendo
agricultor, a lei permite a ele um abono do governo federal de
auxilio maternidade em torno de R$ 1,5 mil. Então uma das razões
de ter muita criança aqui (...) é essa razão de receber R$ 1,5
mil. Por isso que tem muita criança aqui em Manari",
explica Osvaldo Pita, secretário de Saúde.
“Ela mesma, minha esposa, quando está com mais ou
menos oito meses de gravidez, já está programando o que vai
comprar”, conta o agricultor Cícero Vieira dos Santos. “São R$
1,5 mil onde ninguém ganha um dinheiro desse nem no decorrer de
um ano.”
“O que acontece? Ele vai programar comprar uma
vaca, ele vai programar comprar um aparelho de garrote, ele vai
programar dar uma arrumada na casa, comprar antena parabólica,
comprar fogão", diz Vieira dos Santos.
“Eu tenho uma paciente aqui que ela teve 20
crianças, aliás, 21 crianças. E eu me bati muito com essa pessoa
para que ela fizesse uma cirurgia, uma laqueadura para não ter
mais crianças. E com muito trabalho eu consegui que ela fizesse
essa cirurgia”, conta o secretário.
“Ela me disse uma coisa interessante: 'Seu
Osvaldo, eu me arrependi dessa cirurgia’. Eu digo: Por quê? Você
não está se dando bem? Ela: 'não, porque eu deixei de
receber meu dinheirinho (...) todo ano’".
Preços altos
Nesta época do ano é inverno em Jordão e Tarauacá. No inverno, a
estrada que liga Tarauacá à capital, Rio Branco, fica
impraticável. Edson Ferreira atravessou os 446 quilômetros da
estrada recentemente. Levou 50 dias.
“Eu faria em seis horas (numa estrada boa). E pela
primeira vez que nós fomos, quando nós conseguimos voltar,
pegamos a estrada meio ruim e gastamos 1 mês e 20 dias de
viagem”, conta ele.
Sem a estrada, durante os meses do inverno, o
abastecimento fica ainda mais comprometido. Produtos frescos só
chegam de avião. E chegam muito caros.
“Quando se chega no Jordão, quando um comerciante
resolve trazer é R$ 6 um quilo. Tanto faz ser da cenoura, da
beterraba, do tomate. É R$ 6 a R$ 8. Normalmente é R$ 8 o quilo,
se você tiver o prazer, e às vezes, como hoje, não tem no
município", conta o vice-prefeito Elson Farias.
Maria Luciléia é professora. Vive às voltas com o preço dos alimentos. “Cinco reais a dúzia de ovos. Só comprava ovos quem tinha condições mesmo – e para comer. Para fazer bolo ninguém fazia não”, conta ela.
“Filé de peito de frango então nem se fala, senhor. De primeira era até R$ 18 o quilo. E quem que ia comprar um quilo para dar de comer a dez pessoas? Ia pegar cada um uma isca. Não tinha condições."
O preço médio do litro de gasolina na Inglaterra equivale a R$ 3,10. Em Jordão custa bem mais que isso, R$ 4,30.
Fonte: (G1)