Publicado em 19/11/2015 as 12:00am
Samarco será multada em 10 milhões de reais a cada dia que não cumprir a determinação da Justiça Federal
Decisão é da Justiça Federal no Espírito Santo, a partir de ação do MPF. Mineradora será multada em R$ 10 milhões por dia não cumprido.
A Justiça Federal no Espírito Santo determinou que a
Samarco, cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP Billiton, adote em 24
horas medidas para barrar a chegada ao litoral capixaba da lama oriunda das
barragens rompidas em Mariana, Minas Gerais. A mineradora será multada em R$ 10
milhões por cada dia não cumprido de decisão.
A determinação foi dada a partir de ação do Ministério Público Federal (MPF),
com base em cálculos do Ibama, que estimou que a lama chegará ao litoral do
Espírito Santo nesta sexta-feira (20). O prazo passa a contar a partir da
intimação da Samarco. A previsão do Ibama ainda não é confirmada pelo Serviço
Geológico do Brasil, que monitora o avanço dos rejeitos das barragens da
Samarco pelo Rio Doce.
Na ação, o MPF pediu que a Samarco apresente em 24 horas um plano de prevenção
e contenção da lama levando em consideração as peculiaridades de cada área
(mangues, praias e unidades de conservação).
O órgão pediu ainda que, após a apresentação, o plano fosse executado em 24
horas. Mas o juiz federal Rodrigo Reiff Botelho foi mais rigoroso em sua
decisão e determinou a execução imediata à apresentação do plano.
Outra solicitação, também acolhida, foi a apresentação em 24 horas de relatório
com as ações já executadas e com a obrigação de apresentar novo relatório a
cada sete dias.
Segundo a decisão, entre os impactos, a lama deve acarretar a contaminação da
foz do Rio Doce, ameaça às espécies de peixes da zona costeira e contaminação
de unidades de conservação, como Comboios, Santa Cruz e Costa das Algas.
A Justiça Federal intima também o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), o
Ibama e os municípios de Vitória, Vila Velha, Serra, Linhares, São Mateus,
Fundão e Anchieta que acompanhem e fiscalizem as ações a serem executadas pela
Samarco.
Ineficaz
O geógrafo Chico Marchese acredita que o período é curto para que seja adotada
qualquer medida para evitar que a lama alcance o mar.
“Embora a lama venha se sedimentando no caminho, o prazo é curto. Essa
iniciativa (da empresa) já tinha que ter sido tomada há muito tempo”, afirma o
geógrafo Chico Marchese.
A Samarco informou em comunicado que já começou a instalar barreiras de
contenção na foz do Rio Doce.
Risco
A chegada da lama de rejeitos de mineração à foz do Rio Doce, no Norte do Espírito
Santo, vai afetar o mar e o mangue, o que pode causar extinção de espécies,
segundo o oceanógrafo mestre em toxicologia Paulo
Rodrigues.
"A gente atingiu o sistema central de um grande rio, e
ele vai chegar num ambiente marinho da maior biodiversidade.
É impossível conseguir salvar alguma coisa. Contra esse desastre, a gente só
tem que prever futuras ações para evitar [novas tragédias]. Tem espécies que
vão ser perdidas, outras vão viver, mas vão estar quase dizimadas ou fadadas à
extinção", disse o especialista.
A lama vai atingir o litoral Norte do estado, na localidade de Regência,
afetando espécies como a tartaruga gigante, o golfinho pontoporia e as baleias
jubartes, segundo o oceanógrafo. Com o vento Sul, a lama pode chegar até o
litoral de Vitória e atingir manguezais.
De acordo com Paulo
Rodrigues, a foz do Rio Doce é uma área que concentra a maior
biodiversidade marinha brasileira. A lama contaminada pode matar espécies ou
causar efeitos crônicos, a longo prazo, que interferem na reprodução.
"Primeiro que a chegada dessa lama, pela fluidez dela, pela concentração
de substâncias, de partículas, ela vai causar a morte da fauna e da flora.
Temos a água quente, que vem da corrente do Brasil e a água fria, vinda da
ressurgência do Cabo Frio, então temos espécies das duas águas, tanto de
peixes, de corais, baleias e golfinhos.
As substâncias que vêm junto com essa lama podem provocar efeitos agudos,
chegar matando, como está acontecendo em todo o rio, ou efeitos crônicos,
potencialmente danosos para a reprodução de animais", explicou.
O especialista acredita que a lama será eliminada do rio, mas a contaminação
vai permanecer. "A gente espera que a água seja eliminada do rio e que se dilua
no oceano, infelizmente. Mas o sedimento também tem essas toxinas. Se você não
limpar o sedimento não adianta a água estar limpa, ele pode causar um efeito
crônico", disse.
Risco à biodiversidade marinha
Os golfinhos da espécie pontoporia, as tartarugas gigantes e as baleias
jubartes podem ser afetadas pela lama.
"Lá existe uma população de golfinhos que é a pontoporia. É o único
registro no Norte dessa população de golfinhos, que já está em extinção. O ambiente
também é procurado pelas baleias jubartes, também pode haver impactos nesses
animais", afirmou o oceanógrafo.
De acordo com Paulo
Rodrigues, a foz do Rio Doce é o único local regular no
Brasil de reprodução da tartaruga gigante, espécie que já está em extinção.
"As tartarugas estão no pico reprodutivo. A gente estava tendo o recorde
de desova. Lá, temos o segundo sítio reprodutivo da cabeçuda e da gigante, que
vai todo ano se reproduzir no local. Estamos retirando os ninhos da foz do rio
e levando para áreas mais distantes. As tartarugas são seres migratórios e, no
ciclo reprodutivo, elas vão estar em contato direto com essa poluição. Mas a
gente espera que elas possam sair à medida que a lama chegue", explicou.
Rodrigues informou que a lama não precisa ser tóxica para afetar a
biodiversidade marinha. A morte das algas por falta de luz, por exemplo, já
causa desequilíbrio.
"Na foz do Rio Doce é onde começa a plataforma de Abrolhos. Existe um
risco muito grande para os pescadores, para a biota que existe ali. A maior
concentração de corais, por exemplo, pode ser impactada. A lama não precisa nem
ser tóxica, apenas evitando que a luz penetre na água, as algas são mortas e os
corais também. Estamos falando da base da estrutura do ambiente marinho, é a casa
dos peixes" afirmou.
Para o oceanógrafo, algumas espécies da região vão ser dizimadas. "Quando
acontece uma catástrofe dessas, você reduz muito a população. Mesmo ela tendo
uma presença pequena, ela pode estar fadada à extinção, porque ela não tem
variedade genética ou por não conseguir se reproduzir mais", opinou.
Outras espécies podem ser preservadas nos afluentes. "A gente espera que
nos afluentes do rio possam ter sobrado algumas espécies que possam repovoá-lo,
mas a gente acredita que o impacto seja muito grande", disse.
Peixes e consumo humano
Segundo o especialista Paulo
Rodrigues, os impactos causados pela lama podem afetar a
pesca e o consumo de peixes pela população.
"As populações costeiras vivem do consumo da pesca. São impactos que podem
chegar até a mesa dessas pessoas.
Essas toxinas, essas substâncias que podem estar atreladas à lama, são
bioacumuladoras e biomagnificas. Quando chegam à nossa mesa, elas já estão em
alta concentração", disse. De acordo com Paulo, será necessário fazer
monitoramento da concentração das substâncias nos peixes para verificar se elas
são tóxicas.
"A gente vai ter que fazer esse monitoramento, saber qual é a concentração
dessas substâncias que estão chegando às regiões marinhas, aos estuários, para
saber se isso vai causar um dano aos animais, se vão concentrar substâncias
tóxicas nos animais ou não", explicou.
Manguezais
Segundo Rodrigues, os manguezais também serão afetados pela lama, e espécies
locais, como os caranguejos, podem ser prejudicadas.
"Chegando mais ao Sul, na região costeira, ela pode entrar com a maré nos
manguezais. Então os manguezais são os berçários dos oceanos, dos mares. Mais
de 70%, 80% das espécies marinhas de grandes peixes entram no manguezal.
Tem espécies locais, como os caranguejos, que respiram na água, então eles
podem ser afetados por essa lama", disse Paulo Rodrigues.
Fonte: globo.com