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Publicado em 22/06/2017 as 10:00am

Sequenciamentos inéditos do zika permitem mapear como ele saiu do Brasil e chegou aos EUA

Segundo o trabalho internacional, o vírus já estava no Nordeste brasileiro um ano antes da confirmação das primeiras infecções.

Naquele início de 2014, não se falava em outra coisa no Brasil, que não a Copa do Mundo. Enquanto o país se preparava para o mundial, um inimigo circulava, incógnito, pela Região Nordeste. Ele só seria descoberto no fim de abril do ano seguinte, quando os pesquisadores Gúbio Soares e Silvia Sard, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), identificaram que o causador de uma doença misteriosa, com sintomas semelhantes ao da dengue, era o vírus zika. Ainda se ouviria falar muito dele, principalmente depois que o micro-organismo foi associado a outro mistério; dessa vez, muito mais grave: a microcefalia.

Não era só no Brasil que o zika circulava meses antes de as primeiras infecções serem detectadas. Três artigos divulgados na edição desta semana da revista Nature, assinados por um grupo de cientistas internacionais, incluindo brasileiros, aprofundam o conhecimento genético desse vírus originário da Uganda, com a publicação de 174 novos sequenciamentos. Entre outras coisas, os dados indicam que o micro-organismo chegou ao Nordeste em fevereiro de 2014. Da mesma forma, já havia entrado na Colômbia, em Honduras, em Porto Rico e nos demais países caribenhos de quatro a nove meses antes da confirmação dos casos inciais da doença. De acordo com os autores, essas informações reforçam a necessidade de se incrementar as ferramentas de detecção precoce de surtos.

Os dados foram obtidos a partir de amostras de vírus e de pacientes infectados, coletados em 11 países e territórios afetados pelo zika. O sequenciamento permitiu mapear, pela primeira vez, a rota inaugural do micro-organismo, desde o Brasil até outros países da América do Sul, passando pela Central, o Caribe, e chegando ao sul dos Estados Unidos. Os pesquisadores explicaram, em uma coletiva de imprensa, que os resultados só aparecem agora, dois anos depois da identificação do zika no continente americano, e meses após o auge da epidemia, devido às características da infecção. Os níveis de vírus circulante no organismo são baixos e desaparecem muito rapidamente.

“Nós sabíamos que era importante entender as populações virais que levaram à epidemia, o que nos motivou a enfrentar os desafios de sequenciar o zika”, diz Hayden Metksy, estudante de graduação do laboratório do cientista Pardis Sabeti, no Instituto Broad da Universidade de Harvard, e coautora de um dos artigos. “Como os dados que geramos capturam a diversidade geográfica do vírus pelas Américas, eles dão a oportunidade de rastrear como e quando o vírus se espalhou. Nossos dados também suportam o desenvolvimento de testes moleculares mais efetivos, como a melhora de ferramentas de vigilância para a saúde pública.”

No laboratório de Sabeti, a equipe de Harvard desenvolveu novos métodos de captura de dados genômicos e os aplicaram nas amostras coletadas em parceria com instituições de Massachusetts e da Flórida, além de parceiros no Brasil, na Colômbia, na República Dominicana, em Honduras, na Jamaica e em Porto Rico. Dessa forma, geraram 110 novos genomas e, depois, combinaram as informações com outros 64 sequenciamentos prévios do GenBank, um banco genômico mundial. Em seguida, foram feitas as análises. “Nessa colaboração, cada paceiro compartilhou seus recursos e seu expertise únicos - amostras, protocolos, análises, ideias - para ajudar a entender e lutar contra o zika”, diz Thiago Moreno L. Souza, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro. “Compartilhar amplamente os dados para o mesmo objetivo foi uma extensão óbvia desse ethos.”

Expedição

Em junho passado, pesquisadores britânicos da Universidade de Oxford embarcaram em uma missão científica pelo Nordeste brasileiro, percorrendo 2 mil quilômetros da região em um micro-ônibus equipado com material de sequenciamento genético portátil e amostras testadas de mais de 1,3 mil pacientes infectados pelo vírus. “Apesar de ter havido provavelmente milhões de casos de zika no Brasil, tinham poucos genomas virais conhecidos antes do nosso trabalho. Conhecer melhor a diversidade genética do zika é crítico para o desenvolvimento de vacinas e para identificar áreas em que a vigilância sanitária é mais necessária”, diz Nuno Faria, do Departamento de Zoologia de Oxford e do Instituto Evandro Chagas.

“Nós geramos os genomas do zika para estabelecer a histórica epidêmica do vírus nas Américas. Mostramos que ele estava presente no Brasil por um ano inteiro antes dos primeiros casos confirmados”, afirma Oliver Pybus, da mesma instituição britânica e autor correspondente de um dos artigos da Nature. “Também descobrimos que o Nordeste, região com o maior número de casos de zika e de microcefalia, foi o nexo da epidemia no Brasil e desempenhou um papel-chave no espalhamento do vírus para os principais centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, antes de migrar para as Américas. Agora, temos uma compreensão melhor da epidemiologia do vírus.”

Novos desafios

De acordo com Luiz Alcântara, pesquisador da Fiocruz Bahia, o projeto não acabou com a publicação dos artigos. “Agora, ele está expandindo para outras áreas geográficas do Brasil, onde estamos enfrentando não apenas o zika, mas dengue e chicungunha, assim como as epidemias recentes de febre amarela”, diz. “A ameaça desses vírus transmitidos por mosquitos no Brasil é severa e há uma necessidade premente de entender melhor a epidemiologia para prevenir sua propagação”, completa.

Bronwyn MacInnis, diretora-associada de malária e genomas virais do Programa de Microbioma e Doenças Infecciosas do Instituto Broad, diz que a epidemia de zika deixa uma lição sobre o papel que o genoma desempenha na identificação e no rastreamento precoce dos vírus, antes que as infecções em massa aconteçam. “A genômica nos permitiu reconstruir como o vírus viajou e mudou durante a epidemia, o que significa que ela pode nos ajudar a detectá-lo muito antes. Nós fomos passados para trás pelo zika. Precisamos estar à frente do próximo vírus emergente, e o genoma terá um papel importante para conseguirmos alcançar esse objetivo.”

Fonte: Paloma Oliveto (uai.com.br)

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