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Publicado em 17/06/2022 as 11:00am

INDÍGENA SÔNIA GUAJAJARA ESTÁ ENTRE AS 100 PERSONALIDADES MAIS INFLUENTES DO MUNDO

“Convocamos todos para o REFLORESTARMENTES, o reflorestar das ideias dos pensamentos e dos corações porque só com amor a gente vai conseguir transformar o mundo (Sônia Guajajara).

INDÍGENA SÔNIA GUAJAJARA ESTÁ ENTRE AS 100 PERSONALIDADES MAIS INFLUENTES DO MUNDO Eu sempre tento fazer com que a coragem se sobreponha ao medo. Sônia Guajajara

Sônia Guajajara, 48 anos mulher indígena, natural do Maranhão, tem uma respeitável trajetória de ativismo em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente. Está na lista das 100 personalidades mais influentes do mundo, feita pela revista Time. Sua potente voz está ecoando pelo mundo fazendo sérias denúncias contra a violação dos direitos indígenas brasileiros e violação ambiental. Nascida na terra indígena em Araribóia, Sônia pertence aos povos Guajajara Tentehar. Ela rompeu com a estrutura opressora e foi para a universidade, se formou em Letras e Enfermagem pela Universidade Federal do Maranhão. Também fez pós-graduação em Educação Especial. Mãe de três filhos, dois rapazes e uma menina. O maior legado que pretende deixar para os filhos é a educação, o conhecimento. Em sua passagem pelos Estados Unidos, Sônia denunciou o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philipps. A ativista já pressentia que uma tragédia poderia ter acontecido. Sônia concedeu uma entrevista exclusiva para o jornal Brazilian Times e fala das suas lutas, conquistas e projetos futuros.  

Brazilian Times: Como você se sente, sabendo que está entre as 100 personalidades mais influentes do mundo, indicadas pela revista Time?

Sônia Guajajara: Claro que, inicialmente é um sentimento de surpresa, porque a gente já vem resistindo e lutando há mais de 500 anos por reconhecimento de direitos e por cumprimento de direitos. A gente já faz isso cotidianamente para garantir a nossa existência. Quando a Time me reconhece como uma das 100 personalidades mais influentes do mundo é claro que não munda a luta, mas abre um espaço pra gente dar visibilidade pra tudo que vem acontecendo com os povos indígenas do Brasil. Seja para denúncias, seja para mostrar a nossa cultura, seja para mostrar a nossa presença no Brasil, seja para mostrar a nossa luta, porque ser indígena é um desafio diário. Neste momento então, um governo que é totalmente contrário aos povos indígenas, aos territórios indígenas. Então para mim é isso, é um sentimento de oportunidade para dar mais visibilidade para a realidade dos povos indígenas do Brasil. Atribuo também esse mérito a todas as ações coletivas que a gente vem realizando, tanto entre nós do movimento indígena, mas também com todas as articulações com outros movimentos de outros segmentos da sociedade civil.

BT Como está a sua agenda aqui nos Estados Unidos?

SG: Vim para os Estados Unidos com o tempo contado, com uma agenda de entrevistas e encontro com pessoas. Só no evento da Time foram dois dias intensos, teve o primeiro dia que foi muito bom, com palestras e o segundo dia foi o evento de premiação. Também tenho dado muitas entrevistas para o Brasil porque é um momento muito delicado, estamos com duas pessoas desaparecidas, o Bruno Pereira que é um indigenista e o Dom Phillips que é um jornalista inglês que estava lá, e eles estavam juntos para mostrar essas ameaças que ocorrem no vale do Javari que é onde tem a presença de povos isolados. Desde domingo (05/06) que eles estão desaparecidos e eu decidi dar o foco na minha presença nas buscas para encontrar essas duas pessoas tão próximas de nós e comprometidas com a causa indígena, além do mais são seres humanos que estão desaparecidos e a gente precisa mostrar isso. Eu tive esses dias todo muito ocupada dando entrevistas tanto sobre a premiação da Time e para denunciar a negligência do governo brasileiro em relação a esse caso.

BT: Como você concilia a sua vida familiar com a sua agenda de trabalho?

SG: Eu sempre fui uma liderança, eu não consigo separar qual foi o tempo que me tornei liderança, já nasci liderança porque foi tudo muito gradual, e meus filhos já nasceram me conhecendo assim. Eles sempre entenderam essa minha ausência física, mas eles sempre me motivaram muito, e uma das coisas que eles sempre falaram é: ‘A minha mãe tem muito mais filhos além de nós’. Eles sempre sentiram a minha presença ao lado deles. Eu até falo que às vezes me sinto mais presente do que muitas mães que estão ao lado dos filhos fisicamente, porque eu acompanho a vida deles. São dois meninos e uma menina, um menino de 22 anos Luiz Augusto, o Yaponã com 20 anos e a Ywara com 17. O Luiz Augusto está terminando a faculdade, ele faz Engenharia Civil na Universidade Federal de Tocantins, o Yaponã está fazendo Publicidade e Propaganda na Universidade de Goiânia e a Ywara termina o ensino médio esse ano. Uma coisa que eu sempre incentivei é que eles pudessem se dedicar aos estudos, que pudessem cursar o ensino superior para que a gente possa conquistar mais espaços na sociedade, para que a gente seja reconhecido pela luta, mas também pelo nosso profissionalismo e sendo indígena, mostrar que somos capazes de ocupar qualquer espaço. Meu sentimento de mãe é ser esta mãe comprometida e me sentir comprometida com tantas outras pessoas que lutam e que estão aí na luta por um mundo mais justo e igualitário.

BT: Sabe-se que na história da humanidade as pessoas que lutam por uma causa humanitária estão sob a mira do poder opressor, eu diria que é perigoso porque quantas lideranças já foram brutalmente assassinadas por defenderem seus ideais. Podemos lembrar de alguns nomes como: Chico Mendes, Irmã Dorothy, o massacre de Eldorado do Carajás, o Cacique Francisco de Souza Pereira, dentre outros. Ser ativista é arriscar a própria vida, você teme por sua vida?

SG: É perigoso, até porque o Brasil se tornou um país que está entre os primeiros da lista como o país mais perigoso para defensores e defensoras de direitos humanos e do meio ambiente. Eu enquanto indígena não tenho tempo para ter medo, como já diz o povo Xukuru, eles falam: ‘Acima do medo, a coragem’. Eu sempre tento fazer com que a coragem se sobreponha a esse medo e vamos pra cima. Nos colocamos nesta linha de frente e o que me encoraja é que estamos na luta ao lado de muitas pessoas, eu não conseguiria fazer nada do que faço sozinha. Pra mim, o mais importante é esta unidade, é o fortalecimento dessa luta para que a gente possa mudar o rumo da nossa história. Então nós estamos dando os passos não só para escrever uma nova história, mas para viver esta nova história. A gente está acreditando que é possível, que os povos indígenas sejam cada vez mais reconhecidos e por isso a gente não para pra ter medo. A gente vai em frente com muita coragem.

BT Qual é a sua leitura sobre o atual cenário político no Brasil, considerando as eleições presidenciais e os atuais candidatos à presidência da república. Na sua opinião quem tem a chance de vencer essas eleições?

SG: Este ano obrigatoriamente Lula tem que ganhar essas eleições porque o que está em jogo agora não é um ou outro candidato, o que está em jogo agora é a democracia ou o autoritarismo, uma nova ditadura no Brasil, então eleger Lula é um papel crucial do povo brasileiro, da população brasileira para não deixar que o Brasil caia de vez na vala do abismo. O Bolsonaro já deixa aí 50 anos de prejuízos em políticas públicas, na política indigenista de direito ambiental de direitos humanos, então nós temos este dever cívico e moral de eleger Lula para termos a oportunidade de refazer todas essas políticas que foram retiradas do governo Bolsonaro e que a gente possa mobilizar e até para ter esse direito de continuar pressionando para que essas políticas sejam mais específicas e adequadas à nossa realidade. Enquanto povos indígenas a nossa luta maior continua sendo a demarcação dos territórios indígenas que foi totalmente paralisado no governo Bolsonaro. Ainda em campanha ele afirmou que na sua gestão não haveria um centímetro de terra demarcada para índios, como ele fala. Logo que assumiu ele transformou esta ameaça de campanha em política pública do seu governo, e como se não bastasse, não demarcar os territórios indígenas ele ainda trabalha ativamente junto à sua base aliada no congresso nacional para rever territórios já demarcados, além disso, articula todos os dias para legalizar a mineração nos territórios indígenas como tem o PL 191 que autoriza a mineração nos territórios indígenas. O PL 490 que inviabiliza a demarcação das terras indígenas o 2633 que legaliza a grilagem e ainda premia invasores. É um ano muito desafiador onde temos de lutar contra a aprovação de todas essas medidas que nós chamamos de pacote da destruição no congresso nacional, porque eles estão acelerando para aprovarem antes de saírem de licença por ser um ano eleitoral, eles estão andando a passos acelerados e a gente está lá presente para impedir isso. Então, para poder contrapor também essa invisibilidade indígena no sistema eleitoral, na disputa eleitoral, nós lançamos a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e a AMIGA- Articulação das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, nós lançamos uma bancada indígena para que a gente possa estar ali diretamente lutando para ocupar espaço diretamente na política institucional. É um ano desafiador, mas também um ano de muitas oportunidades onde as pessoas têm a opção de se conscientizar e fazer bem as suas escolhas políticas, porque é exatamente essas escolhas políticas que vão designar o nosso futuro e o futuro de todo mundo. Então a demarcação de terras indígenas é a nossa prioridade, a proteção do nosso território, do meio ambiente e as condições para fazer a gestão desses territórios, a gente consegue articular com políticas públicas de saúde, educação, cultura, segurança, moradia para todos os povos. É só preciso que a gente tenha um governo democrático.

 

BT:  Você está aqui denunciando o desaparecimento do indigenista Bruno e do jornalista Dom Phillips, existe alguma suspeita deste desaparecimento?

SG: Esse caso continua um mistério para nós que somos amigos, para os indígenas da região, para a família do Bruno e Dom Phillips. Como é possível sumir uma embarcação de uma hora para outra e ninguém dá notícia? É uma região realmente muito perigosa, é uma região fechada e que requer muito conhecimento da área para poder circular ali. Eu não vou arriscar de forma alguma em dizer que tem suspeita, mas é uma área que tem bastante exploração ilegal de madeira, de minérios, e tanto o Bruno quanto o Dom Phillips já estavam fazendo este trabalho de registrar e denunciar essas invasões, essas explorações ilegais, por ser território indígena e por ser uma das maiores áreas com a presença de povos isolados. Se não tem essa área protegida esses indígenas estão em alta vulnerabilidade. Eu não consigo dizer que tenha suspeita, mas a gente atribui isso a essa falta de política pública de proteção desses territórios, a essa ausência do estado brasileiro, a essa negligência do governo. E quando a gente cobra, agora eles estão falando que a gente está explorando da imprensa de forma muito exagerada. Já aconteceram vários casos de assassinatos no Brasil e sempre o resultado da investigação é que foi mentira, ou atribuem a culpa aos próprios indígenas e aliados. Então é inaceitável que o estado brasileiro siga negando essa violência.

BT: Você poderia ressaltar sobre o que há de melhor no Brasil, fala para os brasileiros que vivem no exterior e que não conhecem o Brasil.

SG: É que o Brasil é um país de pessoas alegres, o Brasil é o país da diversidade, étnica, cultural, territorial, o Brasil é esse país democrático e que a gente precisa lutar para que esta democracia se aprimore cada vez mais, e as pessoas que moram fora do Brasil precisam entender o Brasil real, esse Brasil diverso, e que tem também que lutar por isso. Acho que uma das coisas mais lindas que o Brasil tem é por ser originariamente indígena, mas é uma realidade que o próprio brasileiro desconhece. Então é preciso que a sociedade brasileira conheça a sua origem, conheça a sua história, atualize esta história porque assim vai entender a presença dos indígenas em todos os estados da federação brasileira, porque é comum ainda os povos indígenas causarem estranheza aonde chegam na cidade, as pessoas precisam naturalizar esta presença indígena e respeitar as especificidades. Nós não precisamos ter um padrão único de sociedade, mas essa diversidade com as suas especificidades precisa ser compreendida pelas outras pessoas. O Brasil é um país lindo, maravilhoso, quente, tem um calor gostoso, com pessoas calorosas, mas que está sob o risco do governo Bolsonaro.

BT: Você poderia falar sobre a sua experiência de atuar como modelo para o estilista Júlio César?

SG: Eu aprendi que só ser liderança não basta, a gente também precisa ser diversa, tem que desfilar, tem que dançar, tem que modelar. Eu achei in-crí-vel! e descobri que todo mundo pode ser modelo. A modelo também tem a sua diversidade, o estilista ajuda muito, eu me achei lindamente maravilhosa com as roupas do Júlio César. Eu até falei que, se nada der certo pra mim, eu posso ser modelo.

BT: Que mensagem você deixaria para o povo brasileiro?

SG: Eu vou reforçar sobre este ano eleitoral, quero dizer que estamos com as candidaturas indígenas e nós queremos eleger a bancada do Cocar.  Queremos destituir a bancada ruralista que tenta dominar e mandar no país. Nós estamos articulando com o movimento negro, com mulheres pretas, mulheres feministas, com a juventude LGBTQIAP+ pra gente poder mudar a cara do congresso nacional e ter ali a cara da nossa diversidade. Nós povos indígenas estamos comprometidos nesse ano para entrar nessa disputa eleitoral pra gente estar de fato participando da reconstrução e construção de um novo projeto de país, e isso só vai ser possível com a nossa presença porque não é mais aceitável um Brasil sem nós povos indígenas, sem nós mulheres indígenas. Temos hoje uma única representante indígena no congresso nacional que é a deputada Joenia Wapichana. A gente quer aumentar essa voz, ela sozinha já fez uma grande diferença, não só como mulher indígena, mas levando para o congresso nacional a voz das florestas, a voz da biodiversidade, a voz da mãe terra, pra gente lutar pela mudança desse modelo econômico altamente predatório, centralizador e opressor, que é hoje por meio da produção em grande escala, pelo agronegócio, pela pecuária as monoculturas, a mineração, o garimpo, por isso a gente quer estar lá para defender a mãe terra. Termino convocando as pessoas para essa conexão ou reconexão com a mãe terra. Este é o último chamado que a mãe terra faz, quem não escutar o chamado da mãe terra não é capaz de escutar o chamado de mais ninguém e é por isso que nós convocamos todos para o REFLORESTARMENTES, o reflorestar das ideias dos pensamentos e dos corações porque só com amor a gente vai conseguir transformar o mundo.

BT: Você vai lançar a sua candidatura?

SG: Sou pré-candidata a deputada federal pelo estado de São Paulo. A partir de São Paulo pretendo visibilizar todas as candidaturas indígenas que estão espalhadas por aí em quase todos os estados brasileiros. Gostaria de falar sobre a AMIGA: Articulação das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade que vem atuando desde a base territorial com as mulheres RAÍZ, nos estados com as mulheres SEMENTE, nas regiões com as mulheres BIOMAS, e no nacional, com as mulheres TERRA e no internacional que são as mulheres ÁGUA. Neste momento estamos com uma caravana das mulheres indígenas para fazer esta discussão sobre o papel das mulheres indígenas frente às mudanças climáticas, a socio bioeconomia das mulheres indígenas, o combate à violência de gênero e a violência doméstica nos territórios indígenas, e essa participação das mulheres indígenas nos processos eleitorais. Estamos com esses temas sendo discutidos com as mulheres para que a gente possa chegar esse ano com as candidaturas de mulheres mais fortalecidas e no próximo ano com a terceira marcha das mulheres indígenas. Com as mulheres cada vez mais na linha de frente nesta luta pela igualdade de participação e protagonismo.

Fonte: Eliana Marcolino

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