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Publicado em 4/12/2017 as 11:00am

Indocumentados relatam como funciona o muro invisível de Trump

Os EUA deram início a uma gigantesca ofensiva para esvaziar o país de imigrantes, o que inclui sair do Pacto Mundial da ONU sobre proteção de migrantes e refugiados.

Indocumentados relatam como funciona o muro invisível de Trump Fachada da Igreja Metodista Unida Adalberto, em Chicago. (foto XAVIER DUSSAQ)

Francisca Lino consegue ouvi-los de seu quarto. Às vezes batem na porta da igreja e em outras gritam: “Não queremos cucarachas aqui!”. Sabe que dizem isso por causa dela, mas não se move. Fecha os olhos e fica quieta, quase petrificada, em seu quarto de paredes cor de laranja, no primeiro andar da Igreja Metodista Unida Adalberto. O edifício, atarracado e de ladrilho escuro, é seu esconderijo. O lugar que lhe dá refúgio diante dos racistas loucos que rondam os bairros hispânicos de Chicago, mas também diante dos agentes de Imigração que querem deportá-la e que nunca ousaram cruzar o umbral sagrado. Entrou aí na noite de 23 de agosto passado fugindo de uma ordem de expulsão e vai ficar aí até que os Estados Unidos reconheçam seu direito de morar no mesmo solo que seu marido e filhos.

Francisca, de 46 anos e voz tranquila, está acostumada a travessias. Desde que em 18 de julho de 1999 cruzou o Río Bravo fugindo da miséria em Zacatecas (México) não fez nada além de trabalhar. Primeiro como faxineira e depois em uma fábrica de embalagem de chocolates. Nunca cometeu um delito e sempre pagou os impostos. Mas isso de nada lhe serviu. Apesar de seu marido e seus cinco filhos serem norte-americanos, o Governo determinou sua deportação: não esquece que tentou entrar no país com um visto falso e foi expulsa.

“Me mandaram embora e no mesmo dia paguei de novo o coiote e atravessei outra vez. Desde então, não voltei ao México. E, veja, valeu a pena porque minhas filhas puderam estudar”, diz sentada em uma banqueta da igreja. Nesse espaço, entre cruzes de madeira, bíblias de capas descosturadas e caixas de alimentos, Francisca mata o tempo. Em três meses não saiu à rua. O mais perto que esteve foi no pátio de trás. Um terreno sonolento em que ela se posta junto a dois álamos desfolhados, olha o céu e vê passar o vendaval que abala os Estados Unidos.

Em seus 10 meses de mandato, o presidente Donald Trump lançou uma ofensiva gigantesca contra a imigração. Enquanto muitos aguardam que seja construído o muro na fronteira com o México, sua Administração erigiu um muito mais firme e dissuasório. Uma trama de ações executivas e projetos legislativos que tem por objetivo esvaziar o país de estrangeiros. Os números assustam.

Sob o lema “a imigração é um privilégio, não um direito”, Trump colocou fim aoprograma que impedia a deportação de quase 700 mil dreamers (pessoas sem documentos que chegaram ainda menores e estão plenamente integrados). Também reduziu o número de refugiados de 110.000 para 45.000 ao ano e deu luz verde a um projeto de lei para reduzir de um milhão a 500.000 a concessão anual de green cards (autorizações de residência e emprego). Sequer os afetados pelos desastres se salvaram. Já foi decretado o fim do estatuto de proteção temporal para 5.300 nicaraguenses e 50.000 haitianos, e 86.000 hondurenhos e 263.000 salvadorenhos estão à espera de uma decisão semelhante.

Sem construir um metro de muro, os Estados Unidos se tornaram uma fortaleza. Sair é fácil, entrar cada vez menos. O resultado é dissuasório. As travessias ilegais, segundo a Casa Branca, caíram em torno de 50% e estão alcançando seu ponto mais baixo desde os anos setenta.

Na retória de Trump, trata-se de um “sucesso maravilhoso”. Do ponto de vista dos afetados, um inferno. “Tenho medo, meu pai e minha namorada moram aqui, tenho trabalho e futuro, mas querem me mandar de volta ao México onde mataram meus primos e sequestraram minha irmã”, reclama por telefone Omar Rosas, de 29 anos, sem documentos que chegou em 2007. Está na prisão de Baton Rouge (Louisianna) por dirigir um carro com documentos vencidos. Sabe que assim que pagar a fiança os agentes de Imigração vão deportá-lo. “Vão acabar comigo se fizerem isso.”

José Humberto Mora, ativista de Chicago. (XAVIER DUSSAQ)

A repressão, qualquer que seja sua origem, se multiplicou. Os indocumentados sofrem isso diariamente, alguns de forma extrema. “Trump não quer que tenhamos uma vida melhor”, resume com simplicidade Francisca Lino. Hoje se maquiou e usa brincos. Mas admite que em muitos dias está com aparência pior. À noite a escuridão brinca com ela e não consegue dormir. “Tenho medo de ter medo”, diz.

Francisca teme que alguém entre e que a separe para sempre de seus filhos e marido. Só de pensar, fica aturdida. Respira fundo e faz coisas para se distrair. Olha as 12 rosas secas que ganhou de presente do marido e escreve algumas linhas em seu diário. Nada profundo. Parágrafos nos quais recorda que sua neta gostou de seu pozole [tipo de sopa de milho] ou que amanhã é aniversário da filha mais velha. Mas isso, às vezes, não basta. Então volta a respirar fundo e fecha os olhos procurando o sono. Diz a si mesma que o pesadelo não pode ser verdade. Que tudo vai se arranjar e voltará a ser como antes. Francisca, no fundo, ainda crê na América. Mesmo que seja em sonhos.

Fonte: Redação - Brazilian Times

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