Publicado em 29/01/2022 as 12:00pm
Sonho virou pesadelo: Brasileiro é deportado com a filha dos EUA
Antes de tentar entrar nos EUA, Natanael da Silva, natural de Oeste de Rondônia (RO), trabalhava como operador de máquinas agrícolas e sonhava conseguir emprego
Leonardo Ferreira
Na quarta-feira (26), um voo com 211 brasileiros deportados dos EUA aterrissou no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins (MG). No grupo, 90 eram crianças e adolescentes. Entre os deportados estava o operador de máquinas Natanael da Silva, de 25 anos, e sua filha, de 6 anos. Em entrevista à mídia brasileira, o sonho de Natanael de morar nos EUA tornou-se um pesadelo repleto de humilhações, agressões e descaso na volta ao Brasil.
Antes de tentar entrar nos EUA, Silva, natural do município de Oeste de Rondônia (RO), trabalhava como operador de máquinas agrícolas, sonhava arrumar um emprego e enviar dinheiro para o restante da família em seu estado natal. Ele e a filha deixaram o Brasil em 21 de dezembro, saindo de São Paulo rumo ao México.
Na quarta-feira (19), ambos se juntaram a outras famílias com crianças para atravessar a fronteira e se entregar às autoridades migratórias dos EUA. Os outros brasileiros eram naturais de Minas Gerais e São Paulo. Às 8:00 pm do mesmo dia, em San Diego (CA), o grupo se entregou aos patrulheiros.
Natanael e a filha, assim como as outras famílias que desembarcaram na região metropolitana de Belo Horizonte (MG) há 2 dias, fazem parte de uma nova leva de imigrantes, que tentam entrar clandestinamente nos EUA através de um procedimento apelidado pelos traficantes de seres humanos (coiotes) e pela Polícia Federal, de “cai-cai”. Os pais viajam ao México com a ajuda de coiotes e, ao pisar nos EUA, se entregam às autoridades migratórias.
A "promessa" dos coiotes é que, ao se entregar, os pais e as crianças ganham autorização temporária para permanecer nos EUA enquanto aguardam o processo de deportação. Assim, poderiam fugir, abandonando o processo junto à Justiça e permanecendo clandestinamente no país. Tal método foi usado por algum tempo ao longo de 2020, depois que a separação de pais e filhos de imigrantes, durante a administração do ex-presidente Donald Trump, causou repercussão negativa internacional. Em decorrência disso, foi baixado um decreto para que não houvesse o afastamento das crianças e seus familiares e o processo na Justiça pudesse ser acompanhado em liberdade pelos imigrantes.
Entretanto, os coiotes perceberam no decreto uma brecha para continuar o "cai-cai", então, as crianças passaram a ser usadas como forma de entrada nos EUA. Ao perceberem que os coiotes se aproveitavam da brecha legal, as autoridades atuais, durante a administração do Presidente Joe Biden, adotou a prática de enviar as famílias de volta aos países de origem, sem permitir que elas permaneçam livres nos EUA.
Atualmente, muitos dos deportados são crianças que sequer aprenderam a andar. Conforme a Polícia Federal (PF), 100 crianças de 0 a 5 anos chegaram ao Aeroporto Tancredo Neves (MG), em 2020.
"A gente vai com essa expectativa, de 99%, de entrar com os filhos. Você chega e se entrega para um oficial de imigração. Eles te prendem por dois ou três dias, e dão até uma carta para matricular as crianças na escola. Mas mudou a regra", relatou Silva.
Depois de se entregar às autoridades dos EUA, o brasileiro foi comunicado de que seria mandado com o grupo para uma base militar no Arizona. Silva acrescentou que, na base, as famílias ficaram detidas dentro de uma quadra de concreto, ao lado de um aeroporto militar.
"Os maridos são separados das esposas e os filhos permanecem com as mães. A quadra é dividida em várias pequenas “celas”, por plásticos transparentes, forrados com lona. No meu caso, fiquei com minha filha. É como se fosse um aeroporto. Tem uma pista de voo do lado da detenção", detalhou.
O tratamento dispensado pelas autoridades dos EUA é “pesado”, segundo o brasileiro. A luz da quadra fica acesa permanentemente, visando impedir que se perceba a mudança do dia para a noite, assim evitando que os imigrantes possam dormir.
"Não apaga a luz para nada. Os guardas te maltratam. Fiquei seis dias preso, mas ainda consegui tomar dois banhos por causa da menina. Mas as pessoas passam dez dias sem tomar banho", contou.
Ainda segundo Natanael, inúmeros brasileiros permanecerão na base militar do Arizona. "Muitos estão testando positivo para Covid-19. Mas entre os brasileiros, ninguém acredita nesses testes. Acham que isso é para prorrogar o tempo de prisão", relatou.
Até a viagem de volta ao Brasil, entre 10 e 12 agentes federais vigiavam os imigrantes. Pais e mães foram algemados nas pernas e nas mãos, e uma corrente prendia as algemas da parte superior ao uniforme, na altura do abdômen. Após mais de 10 horas viajando nessas condições, as algemas foram retiradas meia hora antes do pouso.
"O voo foi somente de famílias. Não veio nenhuma pessoa que não estava acompanhada por crianças. Presenciei alguns pais sendo agredidos, mesmo algemados dos pés à cabeça. Para todas as crianças, é um trauma muito grande. Elas veem os pais sendo algemados e acham que vão ser separadas deles. Muitas gritam e choram. Vieram muitos bebês de colo. Os oficiais não têm empatia, não estão nem aí para as crianças. Tem que implorar para ir ao banheiro", concluiu Silva.
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