Publicado em 8/07/2024 as 11:00am
Brasileiros deportados dos EUA denunciam tratamento desumano: “Nos tratam como cachorro”
Na última sexta-feira de junho, às 19h02, um avião transportando brasileiros deportados dos...
Na última sexta-feira de junho, às 19h02, um avião transportando brasileiros deportados dos Estados Unidos pousou no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins. Cerca de 50 minutos depois, os passageiros, vestidos com roupas brancas e calçando sapatos pretos, passaram pela área de desembarque, carregando sacos nas mãos.
Em 2024, ano em que a imigração é um tema central nas eleições presidenciais dos EUA, 516 brasileiros já foram deportados do país, segundo a Polícia Federal. Todos desembarcaram em Confins. A concessionária BH Airport informou que seis voos com deportados chegaram ao aeroporto este ano.
No terminal, alguns imigrantes passavam rapidamente, enquanto outros procuravam tomadas para recarregar seus celulares. Alguns buscavam aparelhos emprestados para informar a família sobre sua chegada em segurança. Muitos planejavam comprar passagens para suas cidades de origem ainda naquela noite, enquanto outros estavam sem dinheiro.
O g1 conversou com três deportados, que preferiram não se identificar. Além da frustração pela deportação, compartilhavam um sentimento de alívio por estarem de volta ao Brasil após meses de detenção nos EUA. "Te tratam como se fosse um cachorro amarrado na corrente", relatou um dos imigrantes.
Um homem de 34 anos, natural de Umbaúba (SE), voltou ao Brasil após dez anos nos EUA. Ele entrou com visto de turista e permaneceu ilegalmente após o vencimento do documento. Trabalhava na construção civil em Kentucky, ganhando entre US$ 800 e US$ 900 por semana, até ser parado pela polícia enquanto dirigia.
"Passei por um processo na Justiça, coloquei advogado, mas não consegui. Passei de prisão em prisão, fiquei quatro meses preso. Foi muito difícil. Eu nunca estive preso no meu país de origem para ficar preso em outro país", relatou.
Durante sua detenção, ele foi transferido entre prisões em quatro estados diferentes, e só em uma delas pôde ligar para a família. Nas outras, passava os dias sem comunicação.
"Minha família estava aterrorizada. Minha mãe, meus parentes, minha avozinha, todos estavam muito tristes. Minha mãe tinha dias que não dormia", contou.
Durante sua estadia nos EUA, ele se casou com uma cubana e teve um filho, agora com 2 anos. Planejava voltar para Sergipe e trazer a família ao Brasil. "Eu não aconselho ninguém a ir para lá ilegalmente. A vida de imigrante é muito difícil, porque você tem que ficar se escondendo. Tem trabalho, ganha bem, mas não tem vida, porque só trabalha. Graças a Deus, não quero voltar", afirmou.
Um mineiro de 24 anos, de Frei Lagonegro, foi deportado pela segunda vez. Na primeira tentativa, em abril de 2023, foi mandado de volta ao Brasil dois meses depois. Em dezembro, tentou novamente, desta vez com os irmãos, em busca de uma "vida melhor". Ele atravessou de Juarez, no México, para El Paso, no Texas, em um vagão de trem de carga, num esquema organizado por coiotes.
"Passei muito sufoco no México. Tentaram me sequestrar, e tem que pagar tudo, correndo risco de vida o tempo todo. Fiquei espremido no trem, em um espaço de 20 cm, durante oito horas. Estava entre a vida e a morte", disse.
Na fronteira, foi capturado – os irmãos conseguiram entrar. Ele ficou dois dias algemado e, em seis meses, passou por seis centros de detenção.
"Dependendo da imigração, não deixam você dormir, te prendem, te soltam. A comida é muito ruim, te alimentam quando querem. Saí daqui gordinho, estou voltando só o osso, perdi uns 10 kg. Alguns oficiais são tranquilos, mas a maioria maltrata demais. Te tratam como se fosse um cachorro amarrado na corrente", relatou.
De volta ao Brasil, quer retomar o trabalho como serrador, perto da família. "Isso para mim se tornou uma droga psicológica. Quero recomeçar minha vida aqui".
Uma das poucas mulheres deportadas queria tentar a vida nos EUA após ser vítima de violência doméstica em Governador Valadares. Entrou no país pelo mar, de jet ski, em março. Foram quatro dias de tentativas – nos três primeiros, agentes da imigração estavam na fronteira, e ela teve que retornar ao México.
"Eu caí dentro do mar, estou viva pela glória de Deus. O mar estava muito violento, tive que nadar, passei muito frio", contou.
No quarto dia, conseguiu chegar a San Diego, na Califórnia. Escondeu-se, entrou em um carro e, cinco minutos depois, foi capturada pela imigração. A mineira passou três meses detida.
"Era todo dia a mesma coisa: café da manhã às 5h30, almoço às 11h30 e jantar às 17h30. Cada habitação tinha oito pessoas, tablet, cobertor, água quente. Não tenho nada a reclamar em questão de médico, só que, em questão de tratamento, não era bom", contou.
A valadarense, que tem família nos EUA, já havia sido deportada outra vez. "Agora, não sei como vão ser as coisas. Por agora, não quero voltar. Não sei futuramente".
A deportação é o processo de remoção de imigrantes irregulares ou regulares que cometeram crimes. Segundo a advogada Paula Infante, especialista em direito internacional, brasileiros que entram ilegalmente nos EUA geralmente se apresentam aos agentes de imigração para pedir asilo. No governo Biden, há mais flexibilidade, e muitos são liberados com tornozeleira eletrônica, desde que informem o endereço onde vão ficar.
"É muito difícil para brasileiros terem o asilo concedido, pois o Brasil não é um país em guerra ou com perseguição política. Na maioria das vezes, o pedido demora anos para ser finalizado e, nesse tempo, a pessoa recebe autorização para trabalhar", explicou Infante.
Na maioria dos casos, como os brasileiros não conseguem comprovar a necessidade de asilo, acabam deportados ao fim do processo. Em algumas situações, permanecem nos centros de detenção até serem deportados sem serem liberados.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o período de detenção varia de um a três meses. Nem sempre os brasileiros detidos podem ligar para os familiares, mas podem acionar o Consulado brasileiro. (com informações do portal G1)
Fonte: Da redação