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Publicado em 10/09/2022 as 2:30am

Coluna da Arilda

Entrevista com a historiadora e escritora Caption   Historiadora, escritora, realiza...

Entrevista com a historiadora e escritora

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Historiadora, escritora, realiza pesquisas sobre as visões ocidentais do oriente e trabalha com relatos de viajantes como fontes para os historiadores.

Escreveu uma biografia da viajante Alexandra David-Néel (Alexandra David-Néel: itinerários de uma Orientalista, Editora Annablume) e diversos artigos sobre os jesuítas na China entre os séculos XVI a XVIII, bem como sobre a Espanha no período dos governantes islâmicos.

Como veio a ideia de escrever sobre a viajante Alexandra David-Néel? Conte um pouco sobre este seu livro.

Há muitos anos tenho trabalhado, como historiadora, com relatos de viajantes enquanto fontes para a pesquisa histórica.

Encontrei, então, durante as minhas pesquisas, os relatos de Alexandra, publicados na França.

Li todos os seus livros e logo depois me interessei em escrever alguns artigos sobre ela.

A ideia de escrever sua biografia me veio naturalmente, pois achei que era uma pessoa incrível, viajante e escritora, apaixonada pelo oriente e que merecia ser conhecida também no Brasil.

Alexandra foi uma mulher excepcional, viveu até as vésperas de completar 101 anos (1868-1969), lúcida, escrevendo até o final de seus dias e muito à frente do seu tempo.

Sua longa vida foi fascinante.

O escritor Abdulrazak Gurnah, prêmio Nobel da Literatura de 2021, afirmou que "escrever é a cura da alma", o que é escrever para você?

Para mim, sem a menor dúvida, escrever é resultado de minha vontade de transmitir as análises e reflexões que surgem com o meu envolvimento com a história.

Sou apaixonada pelos processos históricos, pelo desenvolvimento das diversas sociedades e pelas características sobretudo sociais e culturais de muitas delas.

Você morou na China, é historiadora e desta experiência escreveu também sobre os Jesuítas na China entre os séculos XVII a XVIII.  

O que mais impressiona esta parte da história?

O que mais me impressionou estudando a atuação dos jesuítas na China foi a adaptação de grande parte deles à cultura chinesa.

Incrível também a maneira como eles foram bem aceitos por boa parte do mandarinato, que era a elite letrada do império.

Vários jesuítas destacaram-se como cientistas da corte e obtiveram grande admiração, como verdadeiros intelectuais.

Além de cientistas, alguns foram pintores e trabalharam junto com artistas chineses, realizando obras que até hoje podem ser vistas em diversos museus, principalmente os de Beijing e Xangai.

Os relatos e cartas que vários jesuítas deixaram contam também muito sobre suas vivências no Império e são interessantíssimos.

Quais foram os maiores obstáculos para os Jesuítas na Espanha no período dos governantes islâmicos?

A ordem jesuíta foi fundada em 1540, quando os muçulmanos já não estavam mais na Espanha.

O último reino islâmico na Península Ibérica é o de Granada, que caiu em 1492, tomado por Fernando e Isabel.

Naquele período ainda não existia a companhia de Jesus.

Quando foi que aconteceu a decisão de se dedicar à literatura?

Na verdade eu escrevo como historiadora.

Assim, desde que comecei minhas pesquisas históricas, eu tenho escrito de forma constante, já que o trabalho de historiador é relatar as conclusões de suas análises.

Meus primeiros textos foram artigos para revistas de história.

Depois, publiquei um livro sobre os viajantes franceses que vieram ao Brasil entre os séculos XVI e XVIII, que era o resultado de minha pesquisa de doutorado.

O livro intitula-se “Entre mitos utopias e razão: os relatos franceses sobre o Brasil, séculos XVI a XVIII”.

E segui escrevendo... Já o livro Crônicas da China é mais relativo à minhas experiências de viagens através daquele país, mas na verdade ele tem muito também de história.

Entre seus antepassados ou na sua descendência familiar existem outros escritores? A literatura corre na veia?

Meu pai, José Truda Palazzo, era economista e escrevia artigos de economia.

Escreveu também um livro de economia internacional.

Minha mãe, Ilka Palazzo, era apreciadora de poesia e publicou alguns de seus poemas em antologias.

Vivi sempre cercada de livros.

Qual é a recordação mais vívida na sua memória e que foi um marco na sua vida até hoje?

Difícil falar de apenas um marco, mas talvez tenha sido minha primeira viagem ao exterior, à Europa, quando eu era ainda estudante.

Depois, mais adiante, quando concluí meu doutorado e defendi minha tese na Universidade de Brasília, UnB, também fiquei muito feliz, foi uma conquista importante para mim.

E sou muito grata aos professores e colegas que acompanharam meu percurso e muito me incentivaram.

 Viajar e estudar são as atividades que sempre marcaram minha formação.

O que lhe incomoda mais nos dias de hoje politicamente?

Em política o que me incomoda é a desonestidade.

E me assusta que, atualmente, algumas formas de fascismo estejam renascendo até em países desenvolvidos.

Umberto Eco alertava para esse risco e acredito que seja importante estar vigilante.

Na sua opinião, porque o Brasil ainda não recebeu o prêmio Nobel de Literatura?

Talvez porque não tenhamos nos empenhado o suficiente em apresentar candidaturas.

Imagino que seja necessário propor nomes, mas também batalhar por eles, no sentido de divulgação.

No entanto, não sei se estou certa, não conheço muito bem o processo de apresentação de candidaturas.

Quem você diria que são seus antepassados literários, aqueles de quem você aprendeu mais?

Minha formação é muito francesa, estudei francês desde jovem, na Aliança Francesa de Porto Alegre, morei por duas vezes em Paris e os autores franceses sempre estiveram presentes em minhas leituras.

E, vinda de uma família de origem italiana, também tive contato, em casa, com autores italianos.

No entanto, há alguns anos, me apaixonei pela obra de Salman Rushdie, que comecei a ler porque estava interessada em temas relativos ao que chamamos de oriente.

Em matéria de aprendizado, porém, posso dizer que quem mais me ensinou foi Jacques Le Goff, um excepcional historiador francês, falecido em 2014.

 Sua obra é excepcional, tanto sobre a Idade Média quanto sobre Teoria da História.

Tive a oportunidade de ouvi-lo em algumas palestras, em Paris, e foi muito gratificante.

Qual o livro da literatura mundial você gostaria de chamar de seu?

Confesso que mudo conforme vou lendo e relendo diversos autores. Sou fascinada por toda a obra de Salman Rushdie, mas em especial por seu livro “O último suspiro do mouro”.

E “O nome da Rosa”, de Umberto Eco também está entre meus prediletos.

Entre os franceses, “O vermelho e o negro”, de Stendhal é uma de minhas paixões antigas.

O que seus textos trazem como inspiração para outras pessoas?

Acho que seria pretensão minha inspirar outras pessoas... No entanto, se eu puder inspirar alguém, espero que seja através do meu amor pela História e pelas viagens.

Gostaria de motivar outras pessoas a viajar muito, a conhecer outras culturas além da sua.

O intercâmbio entre culturas é, no meu entender, o caminho para a tolerância entre os povos, mas também para o aperfeiçoamento pessoal.

O que você  acha sobre as atividades culturais em nosso país?

Há muitas iniciativas importantes, mas como o Brasil é imenso, nem todas recebem a divulgação que mereceriam.

Em São Paulo, sou especialmente fã do Museu da Língua Portuguesa que realiza atividades com escolas e que costuma ser frequentado por um público bastante jovem.

Gosto de visita-lo sempre que viajo para lá.

Acompanho também eventos de arte em geral, acho que temos excelentes galerias, que fazem exposições interessantes, de diversos artistas plásticos.

Recentemente vi mostras muito boas no Museu Oscar Niemeyer em Curitiba.

Acredito que, mais recentemente, tem ocorrido uma boa movimentação para recuperar também a memória cultural brasileira de maneira mais ampla.

Lamento, porém, que os governos e os políticos em geral nem sempre entendam a relevância de apoiar a Cultura.

Como a mídia se comporta frente a literatura? E com as outras artes?

Mais recentemente tenho observado que tanto a literatura quanto as demais artes começaram a receber  mais destaque na mídia, provavelmente porque as universidades e outros centros culturais estão realizando diversos eventos interessantes, atraentes.

Notei também um crescimento de grupos de leitura em diversas cidades.

Aqui em Brasília, um deles dedica-se a ler e a discutir escritoras mulheres, tanto brasileiras quanto de outros países.

É um grupo excelente, o “Lendo Mulheres”, coordenado pela Renata Sanches.

Como historiadora que escreveu livros e vários artigos sobre a cultura asiática, o que mais te atraiu e impressionou na história da Ásia?

Sem dúvida o respeito dos asiáticos pelos professores e o interesse pela educação.

É algo que impressiona mesmo, pois tanto as famílias quanto os governos estão sempre muito atentos à qualidade das escolas. 

Valorizar os professores, desde o ensino fundamental até o universitário é, sem a menor dúvida, uma característica importante das sociedades da Ásia.

Você poderia antecipar a ideia de um livro que gostaria de escrever, mas ainda não escreveu?

Provavelmente eu ainda escreverei mais sobre os jesuítas na China.

Não sei se um livro ou mais artigos em revistas de história.

Participo também de seminários e outros eventos de historiadores nos quais apresento minhas pesquisas.

Como foi a sua experiência de morar em Xangai?

Foi excepcional.

Andei muito pela cidade, fiz questão de conversar com os seus habitantes, o que foi muito divertido e enriquecedor para mim.

 Mesmo quando não falam inglês, os chineses fazem questão de se comunicar com os estrangeiros por gestos, nos ensinam um pouco de mandarim e são muito sociáveis e alegres.

E também pude viajar bastante através da China, conheci lugares belíssimos, como as grutas de Dunhuang.

Dunhuang é um oásis no deserto de Gobi e foi ponto de encontro das caravanas da chamada Rota da Seda.

As grutas têm, em seu interior, pinturas e esculturas budistas muito antigas e excepcionais.

 Também visitei cidades muito interessantes, como Suzhou (uma de minhas prediletas), Wuxi, Beijing, Macau, Hong Kong, Kaifeng e Hangzhou, além de muitas outras, onde pude apreciar diversos museus muito bem organizados, com exposições tanto da história chinesa quanto de arte.

As porcelanas e as pinturas chinesas são excepcionais.

Xangai impressiona pelo seu lado moderno, com arquitetura de grande impacto, mas também pela manutenção das tradições.  

Há bairros com galerias de arte local, pequenos restaurantes deliciosos e um museu de História e de Arte fantástico.

Como incentivar novos valores e amor pela leitura?

Acho que é importante começar cedo, nas escolas, e dar acesso a uma grande variedade de autores.

Algumas escolas convidam autores para falar em seus eventos, o que me parece uma excelente iniciativa.

Deveria ocorrer em mais delas e com maior frequência.

Criar bibliotecas comunitárias, em muitos bairros, eu também considero essencial.

Os livros no Brasil são muito caros, é importante permitir que pessoas de renda mais baixa ou mesmo média tenham acesso a eles.

Como você vê a literatura brasileira?

Temos excelentes escritores e escritoras.

Sou especialmente fã de Milton Hatoum, Nélida Piñon, Ana Maria Machado, Adélia Prado, para citar apenas alguns dos vivos.

E, é claro, temos também os grandes clássicos. 

Machado de Assis é um escritor universal.

 Drummond, um poeta excepcional.

Muitas vezes leio comentários pessimistas sobre a cultura brasileira, no entanto eu não me alinho aos que só fazem críticas.

Quem você indicaria para o prêmio Nobel da literatura no Brasil, se pudesse indicar?

Nélida Piñon, sem a menor dúvida.

Fale do seu livro "Crônicas da China", o que a motivou?

Decidi escrever esse livro e, mais recentemente, um pequeno e-book que está no Kindle, Amazon, intitulado “Rua Fuzhou, Xangai” (editora AzuCo), porque muitas pessoas me perguntam sobre a minha experiência de ter vivido na China.

Em ambos eu relato, de maneira muito pessoal, minhas viagens através daquele país, mas também os contatos pessoais que eu tive a oportunidade de manter com os chineses e que muito me gratificaram.

Tento transmitir, nos meus relatos, a profunda impressão que me causou aquela cultura milenar.

No futuro, como você  gostaria de ser lembrada pelas gerações que virão?

Como uma historiadora que dedicou-se com muito afinco e com paixão às pesquisas históricas.

No entanto, tenho a humildade de dizer que há inúmeros outros historiadores e escritores que merecem ser lembrados, bem mais do que eu.

http://www.carmenlicia.org/

 

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