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Publicado em 6/07/2017 as 11:00am

Medo da deportação faz imigrantes evitarem médicos nos EUA

O fantasma da deportação faz com que muitas pessoas não saiam de casa a não ser para trabalhar e desenvolvam ansiedade e estresse pós-traumático.

Medo da deportação faz imigrantes evitarem médicos nos EUA Manifestantes contra as deportações de Donald Trump

O Dr. Luke Smith dirigia vagarosamente pelas ruas escuras de um bairro repleto de imigrantes, procurando um endereço entre casas pequenas guarnecidas com barras de ferro. Trazia consigo sacolas da farmácia. A missão é entregar remédios a pacientes assustados demais para retirá-los.

Naquela noite, Smith, psiquiatra, procurava pela família de um menino de 12 anos de idade com transtorno de deficit de atenção. Como a maioria das pessoas que entrou nos Estados Unidos ilegalmente, os pais do garoto, de Puebla, México, não têm carteira de motorista. Agora, quando dirigem, a possibilidade de serem parados pela polícia pode ter uma consequência muito mais cara do que a multa.

Abalados pelas amplas ordens de deportação do governo Trump, eles e muitos outros em situação similar se escondem nas sombras, driblando revistas policiais, remédios e assistência médica essencial.

Várias vezes por semana, Smith pega os remédios nas farmácias e encontra os pacientes em suas casas para entregar as medicações pedidas.

“Não posso deixar que meus pacientes corram riscos ao retirar o remédio que lhes prescrevi”, conta.

Pelo país inteiro, de Venice, na Califórnia, a Nova York, clínicas que atendem a população imigrante relatam queda nas consultas desde que começou a repressão do governo.

Em recente pesquisa nacional com funcionários da saúde realizada pela Migrant Clinicians Network, com sede em Austin, Texas, dois terços dos entrevistados disseram ter visto relutância entre pacientes em busca de atendimento médico.

Pais têm retirado os filhos de programas federais de nutrição para evitar investigação. Em Baltimore, funcionários da saúde que, há anos, visitavam bairros latinos para fazer exames de doenças sexualmente transmissíveis agora esperam em furgões do lado de fora de lojas de conveniência.

“É como estar em uma cidade fantasma”, diz a Dra. Kathleen R. Page, codiretora do Centro SOL, unidade de saúde para latinos no Johns Hopkins.

Especialistas dizem que o preço por evitar o sistema de saúde é muito alto. Latinos pobres, em especial, sofrem com índices mais elevados de obesidade, diabetes, doenças hepáticas e pressão alta.

“Pacientes que já estão doentes terão mais dificuldade para melhorar”, diz Page. Segundo ela, quem não recebe atendimento para doenças infecciosas “apresenta uma probabilidade muito maior de transmitir infecções a outras pessoas”.

Enquanto os custos médicos são um peso para milhões de norte-americanos, muitas pessoas questionam por que cidadãos que mal e mal conseguem bancar seu próprio tratamento médico deveriam bancar, por meio dos impostos, o atendimento de quem mora ilegalmente nos EUA.

Um funcionário do setor de saúde entrevistado pela pesquisa da Migrant Clinicians Network escreveu: “Tenho enfrentado bastante animosidade por ajudar os trabalhadores. Os moradores acham que os imigrantes recebem muitos benefícios”.

Aqui no centro do Estado da Carolina do Norte, onde os imigrantes trabalham em plantações de tabaco, frigoríficos de aves, lavam pratos e limpam banheiros em restaurantes e hotéis, alguns funcionários da saúde precisam tomar medidas extremas pelos pacientes.

Smith entrou em uma varanda escura, bateu à porta e perguntou: “Jorgito está?”
Olhos investigaram pelas folhas de uma persiana baixada. Jorgito, dono de um trailer que vende tacos mexicanos, abriu a porta.

Na sala lotada, Jorgito, que, a exemplo de outros imigrantes não autorizados entrevistados por esta reportagem, pediu que o sobrenome não fosse citado para impedir que as autoridades o identificassem, apresentou o médico a amigos, a parentes e ao padre.

Somente depois que a família lhe ofereceu tortilhas caseiras, ao estilo da América Central, Smith entregou discretamente a Jorgito a medicação para o filho, acanhado aluno da sexta série que se esparramava no sofá.

No começo do ano, quando Smith conheceu os pais do menino na escola e lhes disse que os remédios poderiam ajudar o filho distraído e repetente, o pai se mostrou suspeito e reservado. Desde então, porém, a atenção do garoto, notas e autoestima melhoraram, bem como a confiança de Jorgito no psiquiatra.

Apesar dos pedidos da família para que ele ficasse mais tempo, Smith saiu. Eram quase 22h. Outra família esperava remédios.

Confiança desfeita

Exceto por necessidade absoluta, Rodolfo, operário itinerante de construção civil que entrou ilegalmente nos Estados Unidos por Puebla há seis anos, não sai de casa ultimamente.

Contudo, já faz um mês que a filha de oito anos, Leslie, se dobra de dores após as refeições. Assim, com relutância, de ônibus e a pé, Rodolfo a levou a um centro de saúde comunitário em Carrboro, cidade rica e liberal a oeste de Chapel Hill.

No consultório, a criança se encolheu toda, rígida e desconfortável. Lisanna Gonzalez, enfermeira de família, não achou causas físicas para seu desconforto.

Por fim, Leslie reconheceu morrer de medo de chegar da escola um dia e descobrir que os pais tinham ido embora. Segundo a menina, as crianças vivem falando disso, provocando-a. Seu irmão, de 13 anos, ficava lhe mostrando atualizações sobre batidas policias na mídia social.

O medo deixa as pessoas doentes, diz o dr. Evan Ashkin, professor de medicina da família da Universidade da Carolina do Norte que dirige um programa de residência para médicos que trabalham com pacientes pobres.

Segundo explicou, os trabalhadores da saúde têm visto um aumento em manifestações físicas comuns de depressão e ansiedade: dor de estômago, visão embaçada, tontura, insônia, dor de cabeça, crises de pressão alta, dificuldade para respirar.

“Sei por que você está preocupada e espero que nada assim aconteça. Não podemos acabar com o estresse, mas podemos oferecer meios para lidar com a ansiedade”, Gonzalez disse a Leslie e seu pai, em espanhol.

Ela entregou a Rodolfo uma lista de controle, criada pelo Centro de Recursos Legais para o Imigrante, sobre como se preparar para uma possível deportação: decidir quem pode cuidar dos seus filhos, anotar o nome dos remédios e de telefones importantes, contar à família para quem ligar caso seja detido.

Os funcionários desses centros de saúde federais, que recebem alguma verba pública para atender quem não tem seguro-saúde ou cujo seguro não basta, não perguntam aos pacientes sobre a questão da cidadania. Em vez disso, os pacientes, que precisam pagar uma pequena taxa à clínica, devem apresentar comprovante de endereço e renda.

Durante décadas, essas clínicas foram portos seguros. Quando policiais estacionaram ao lado da unidade de Carrboro para tomar café, uma médica pediu que fossem embora para não assustar os pacientes.

Só que isso foi um ano atrás.

Agora, pacientes dependentes de insulina não têm aparecido às consultas. Diabéticos que precisam se exercitar disseram aos médicos que nem sequer davam uma volta no quarteirão, assustados com os carros de polícia fazendo patrulha – embora algumas delegacias tenham anunciado que não vão verificar o status da imigração.

Ashkin conheceu muitos imigrantes sem seguro ao longo dos anos. Contudo, há pouco tempo, uma paciente antiga, grávida com sangramento no primeiro trimestre, se recusou a seguir a orientação de fazer um ultrassom no centro médico da universidade em Chapel Hill.

Ela temia que agentes da imigração pudessem estar à espera. Felizmente, o sangramento parou.

Referindo-se ao medo entre os pacientes, Ashkin diz que “a confiança deles em nós está acabando”.

Essa não é a primeira vez que o medo impede a aproximação de pacientes imigrantes. Pesquisadores constataram que na esteira de um aumento da fiscalização no Arizona, em 2010, imigrantes não autorizados usaram os serviços de saúde com menor frequência, de acordo com estudo publicado em The American Journal of Public Health.

Após uma grande batida da imigração federal, em 2008, em Postville, Iowa, bebês de mulheres latinas apresentavam risco 24% maior de peso baixo ao nascer do que entre os nascidos um ano antes, segundo estudo publicado neste ano em The International Journal of Epidemiology.

Os efeitos do tratamento médico adiado serão sentidos de muitas formas, afirmam especialistas. Hospitais e prontos-socorros, exponencialmente mais caros do que o atendimento primário, tratarão mais pacientes doentes, diz o dr. Joshua M. Sharfstein, da Faculdade de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. Os sistemas de saúde pública sentirão o efeito de mais jovens com uma série de desafios ligados à saúde.

Pesquisadores também examinaram a questão dos benefícios federais para imigrantes sem autorização.

Muitos são pagos em dinheiro, sem registro. Só que nem todos. Entre 2000 e 2011, imigrantes sem autorização para trabalhar nos EUA contribuíram com algo entre US$ 2,2 bilhões e US$ 3,8 bilhões a mais por ano ao sistema de saúde público do que usaram, de acordo com estudo de 2016.

José, 42, trabalha o ano inteiro para um plantador de tabaco; sua esposa, Irma, 44, colhe tabaco e também trabalha em uma churrascaria, limpando mesas e o chão. Eles não são inscritos na Previdência Social porque estão no país ilegalmente.

“Mas pagamos impostos!”, declarou Irma, respondendo ao argumento segundo o qual clínicas bancadas pelo dinheiro do contribuinte só deveriam atender cidadãos legais.

As deduções em seus contracheques são feitas com números de identificação de impostos individuais, mas, como ela observou, nenhum deles têm direito aos programas financiados por esses impostos, tais como a previdência social ou a saúde pública.

Aumento do estresse pós-traumático

Siler City é um município de oito mil habitantes uma hora a sudoeste de Durham. A estrada passa por plantações de tabaco, um frigorífico abandonado de aves e estacionamentos para trailer em um centro cheio de igrejas pentecostais. Uma placa na vitrine de uma galeria de artes avisa: armas são proibidas.

Em uma casa com pintura cinza-azulada descascando fica uma unidade de El Futuro, a clínica de saúde mental de Smith. O transtorno de estresse pós-traumático predomina entre os pacientes, diz Karla Siu, diretora do programa clínico.

Uma criança de nove anos lembra de dormir no deserto e ser acordado por uma cobra. Uma mulher treme com a lembrança de ter sido estuprada na estrada. Os homens se revoltam, aflitos, não por não terem tido um aumento, mas por terem medo de reclamar.

Enquanto as histórias de batidas policiais são contadas, as sessões de terapia ficam especialmente tensas. Os atendentes relatam que alguns pacientes terminam as sessões com despedidas mais elaboradas.

“O cliente teme a possibilidade de não ver o terapeuta novamente. Assim, se despedir com abraços e lágrimas a cada vez é uma forma de controle, porque é por escolha deles”, diz Siu.

A clínica El Futuro tem listas de espera de pessoas que querem ajuda, mas em uma pesquisa com os pacientes constatou-se que alguns têm medo demais para vir. Elizabeth, 27 anos, que vive ilegalmente nos EUA, é um exemplo.

Com grande relutância, ela apareceu na clínica para ser entrevistada por um repórter, chegando atrasada, incomodada. Desculpando-se, ela diz que somente sai do apartamento hoje em dia para ir ao mercado ou para trabalhar como faxineira em um hotel.

Ela não tem ninguém para cuidar das duas crianças pequenas caso seja deportada, explicou a duras penas, com lágrimas aflorando.

E, no México, outro perigo a aguarda: o ex-namorado. Anos atrás, quando o casal chegou à Carolina do Norte, ele começou a bater tanto nela que Elizabeth finalmente chamou a polícia. Ele foi preso e deportado.

Agora, temendo pelos filhos e por sua segurança, Elizabeth se sente consumida pela ansiedade. Os pesadelos daquele período violento voltaram.

Após narrar sua história, ela caminhou até a recepção da clínica, segurando a mão da filha de cinco anos. Elizabeth acha que, mesmo saindo da lista de espera da El Futuro, é muito arriscado voltar.

Fonte: Por Jan Hoffman do New York Times

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