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Publicado em 22/02/2016 as 12:00am

Autoridades afegãs foram pagas para combater o ópio - mas agora lucram com ele

Agricultores afegãos cultivam a papoula no distrito de Nad Ali, na província de Helmand, no Afeganistão

Os EUA gastaram mais de US$ 7 bilhões nos últimos 14 anos para combater a produção de papoulas que fez do ópio afegão a maior marca mundial. Mais dezenas de bilhões foram para programas de governo para conter a corrupção e treinar uma força policial verossímil.

Uma quantia incalculável e milhares de vidas foram perdidos no principal ímpeto da guerra: colocar o governo afegão a cargo dos centros distritais e instalar o Estado de direito.

Mas aqui, em um dos cantos da província de Helmand que é pacífico e está firmemente controlado pelo governo, os caules verdes e os bulbos inchados de ópio cresciam alto, à vista de prédios oficiais, na última temporada de papoulas --sinais de um narco-Estado administrado diretamente pelas autoridades.

No distrito de Garmsir, o cultivo de papoulas não só é tolerado, como o governo depende dele. As autoridades aplicaram um imposto aos agricultores praticamente idêntico ao que o Taleban usa nos lugares que controla.

Parte da receita é remetida às autoridades de Cabul, a capital, garantindo que as autoridades locais mantenham o apoio dos superiores e a produção de ópio continue. E Garmsir é apenas um exemplo do envolvimento oficial no negócio da droga.

Diversas visitas à região do ópio no Afeganistão no ano passado e extensas entrevistas com plantadores de papoulas, anciãos e autoridades afegãs e ocidentais expuseram a realidade de que, mesmo que o governo apoiado pelo Ocidente tenha sucesso, o ópio parece estar garantido.

Mais que nunca, as autoridades afegãs se envolveram diretamente no comércio de ópio, expandindo sua concorrência com o Taleban além da política e em uma luta pelo controle do tráfico e da receita da droga.

No nível local, a luta pode parecer uma disputa local entre bandos de traficantes, enquanto as tropas americanas são reinseridas na batalha em nome do governo, especialmente em Helmand, no sul do país.

"Há fases de cumplicidade do governo, começando pelo compromisso com os agricultores e depois na cooperação com eles", disse David Mansfield, um pesquisador que realizou mais de 15 anos de trabalho de campo sobre o ópio afegão.

"A última é a predação, quando o governo essencialmente domina todo o negócio."

A administração do presidente Ashraf Ghani fez uma promessa central de combater a corrupção. Um porta-voz de seu governo, indagado sobre o envolvimento oficial no tráfico de ópio, inclusive em Garmsir, insistiu que há "tolerância zero" para tal comportamento.

"O presidente foi decisivo na ação sobre informações que indicam o envolvimento de autoridades do governo em atos ilegais, incluindo a taxação do ópio", disse o porta-voz, Sayed Zafar Hashemi.

Mas em Garmsir e outros lugares no cinturão do ópio em Helmand o sistema está firmemente implantado e é notavelmente consistente.

Ele conta com uma rede de líderes de aldeias e pessoas empregadas pelos agricultores para administrar o suprimento de água, homens conhecidos como "mirabs". Estes vigiam a terra que é cultivada e coletam dinheiro em nome das autoridades, tanto no nível distrital como do governo central em Cabul.

As conexões são profundas no governo nacional, admitem autoridades em particular. Em certos casos, o dinheiro é passado para senadores ou membros de assembleias com conexões regionais.

Em outros, empregados do Diretório Independente de Governo Local, a agência que supervisiona os governos provinciais e distritais, embolsa os pagamentos, dizem autoridades.

Alguns dos principais comandantes da polícia e da segurança regionais, incluindo aliados dos militares americanos e autoridades de inteligência, são intimamente identificados com o comércio de ópio.

Mas o dinheiro de verdade muitas vezes permanece no local, com autoridades provinciais e distritais. No caso de Garmsir, o governador e o chefe de polícia do distrito colheram a maior parte da recompensa, segundo autoridades e agricultores locais. A polícia local também participou dos lucros.

Agricultores disseram ter pago cerca de US$ 40 (cerca de R$ 160) por acre (0,40 hectare) de papoula cultivada. Em 2015, isso representou cerca de US$ 3 milhões em pagamentos só no distrito de Garmsir, segundo autoridades inteiradas do processo.

E o dinheiro a ganhar só aumenta. Segundo especialistas, imagens de satélite da última temporada de plantio em todo o sul de Helmand mostraram que o cultivo de ópio ocorre abertamente, à vista de bases militares e policiais.

"Ao longo dos anos, vi o governo central, o governo local e estrangeiros falarem muito seriamente sobre a papoula", disse Hakim Angar, que por duas vezes foi chefe de polícia da província de Helmand. "Na prática eles não fazem nada, e nos bastidores o governo faz acordos secretos para enriquecer."

Acordos lucrativos

A cumplicidade do governo no comércio de ópio não é nova. Lobistas, muitas vezes trabalhando para o governo, operam há muito tempo nos bastidores, produzindo, refinando e contrabandeando ópio ou heroína por uma das muitas fronteiras porosas do Afeganistão. Esse tipo de corrupção é visto em todo o país.

A taxação em nível distrital nos principais centros de cultivo de papoula, porém, foi menos comum. A maioria das pessoas falou sobre o assunto sob a condição do anonimato, temendo represálias.

As que falaram abertamente tendiam a ter recursos suficientes para conter uma reação oficial.

"É claro que isso acontece aqui", disse um comandante da polícia local em Marjah, Baz Gul, que supervisiona algumas dezenas de homens e foi um dos moradores que primeiro pegou em armas contra o Taleban. "Mas o chefe de polícia e o comandante da polícia local não recebem o dinheiro diretamente. Fazem isso por meio de figuras influentes."

O distrito de Nad Ali, a pequena distância da capital da província, Lashkar Gal, parece menos organizado que Garmsir ou Marjah.

Em abril passado, em um percurso por terras agrícolas em áreas controladas pelo governo, grande parte da colheita de papoulas tinha sido arada por causa de uma colheita precoce ou porque as plantas estavam doentes e os agricultores não viram sentido em mantê-las.

Fazendeiros em Nad Ali disseram que a coleta de impostos depende de diversos fatores, incluindo o relacionamento da pessoa com o comandante da polícia local, a proximidade do centro do distrito e o quanto a plantação foi prejudicada por doenças.

Em alguns casos, as equipes enviadas pelo governo para erradicar colheitas receberam o dinheiro. Em outros, foi a polícia local ou a nacional.

Os pagamentos variam de cerca de US$ 90 (R$ 362) a US$ 100 (R$ 402) por acre, segundo seis agricultores.

"Toda a nossa papoula estava afetada por fungos", disse um agricultor na área de Loy Bagh em Nad Ali. "O que as pessoas pagavam dependia de quanto elas cultivaram e quanto foi destruído pela doença."

O sistema em Garmsir, entretanto, parece não deixar nada ao acaso. Localizado mais distante da capital provincial do que Marjah ou Nad Ali, o distrito goza de mais autonomia do que a maioria sob controle do governo.

Entrevistas realizadas em meados de março passado, antes do surgimento da doença, mostraram um sistema de acordos que se instalava de modo confortável.

Enquanto os agricultores não estavam contentes com pagar ao governo, a maioria considerava isso inevitável e comenta que a margem de lucro do ópio ainda é consideravelmente melhor que a do trigo ou do algodão.

"Compreendemos que as autoridades vão nos cobrar", disse Juma Khan, um agricultor de 35 anos em Garmsir, encolhendo os ombros.

Turbulência

O sistema entrou em turbulência na primavera, quando dois membros do Parlamento perceberam o acordo. Depois que seu pedido de uma parte dos lucros foi rejeitado, eles fizeram denúncias, segundo autoridades inteiradas do caso.

Autoridades em Cabul rapidamente demitiram o governador do distrito, o chefe de polícia e o diretor de inteligência, que foram acusados de dividir os lucros. Em uma pequena cerimônia, o vice-governador de Helmand devolveu sacos de dinheiro aos agricultores entusiasmados diante do gabinete do governador e prometeram reprimir essa exploração.

Autoridades disseram que todo o dinheiro foi devolvido aos agricultores e que as partes responsáveis foram removidas do poder. Mas nenhuma promessa era totalmente verdadeira.

O governador de Garmsir --que, em uma entrevista, negou que tivesse criado ou arrecadado qualquer imposto-- foi silenciosamente transferido para Washir, um distrito vizinho. Meses depois, ele foi reinstalado em seu antigo cargo em Garmsir. Membros do governo de Cabul disseram que ele foi inocentado de erros depois de uma completa investigação.

Uma visita posterior a Garmsir revelou mais uma inconsistência: agricultores disseram que receberam de volta apenas a metade do dinheiro. Ainda assim, foi uma espécie de recompensa. Afinal, eles tinham perdido quase a metade da colheita para os fungos.

 

Fonte: http://www.nytimes.com/

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