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Publicado em 1/03/2016 as 12:00am

Como advogado americano ajudou adolescente de Uganda acusado por 2 mortes a provar inocência

Caso expôs precariedade da Justiça criminal em país africano; jovem passou dois anos detido até conseguir liberdade.

O estudante de Uganda Tumusiime Henry tinha 15 anos quando foi acusado de homicídio pela primeira vez. Enquanto esperou quase dois anos para ser julgado, foi denunciado por outro assassinato. Ele então conheceu um advogado americano que aos poucos percebeu que caberia a ele salvar um adolescente inocente.

Henry estava na escola quando homens vieram atrás dele. Ele e seu irmão mais novo, Joseph, foram jogados em um camburão e ficaram chocados ao encontrar a mãe dentro do veículo.

"Acalmem-se. Deus irá ajudar", disse ela.

Dias antes, uma calamidade havia atingido a família de Henry. Todas as economias haviam desaparecido de um colchão, juntamente com Imanriho, um homem que trabalhara por anos como pastor na pequena fazenda da família. O dinheiro guardado deveria ajudar Henry, sempre o melhor aluno de sua turma, a ser o primeiro da família a cursar uma universidade.

Não demorou e alguém localizou o suspeito no mercado da cidade vizinha de Hoima, e o levou de volta para responder pelo dinheiro desaparecido. Uma multidão atacou o homem, e Henry ouviu a confusão quando estava na escola.

O pai de Henry chegou e tentou impedir as agressões, mas alguém atirou uma pedra enorme que atingiu a cabeça de Imanriho. A multidão se dispersou, deixando o pai de Henry com o cadáver.

Imanriho era parte da família, e mesmo que tenha fugido com o dinheiro, o pai de Henry decidiu enterrar o corpo em sua fazenda. Isso acabou levando toda a família à prisão sob suspeita de assassinato.

"Em Uganda eles prendem primeiro e investigam depois", diz Henry. Os dois garotos - de 15 e 13 anos - foram detidos na cadeia de Hoima com o pai - a mãe acabou liberada.

Vida na prisão

Depois de dois meses na cadeia de adultos, os irmãos foram enviados a um centro de detenção juvenil em Ihungu, a 50 km de distância.

Um único dormitório de concreto era escuro e superlotado, com apenas finos colchões no chão. Não havia cercas, mas regras rígidas para prevenir fugas. Um dos adolescentes atuava como líder, e seu papel era reforçar as normas e punições.

O grupo de cerca de 20 jovens estava sob a responsabilidade de uma enfermeira chamada Rose Mpairwe, que ilegalmente enviava os garotos para trabalhar no campo.

Os adolescentes começavam a trabalhar às 6h e não recebiam comida até 11h. Henry e o irmão não estavam acostumados com aquele ritmo. "Se ficássemos para trás, recebíamos menos mingau", relembra.

O diretor do centro de detenção não sabia do esquema da enfermeira e ninguém tinha coragem de contar a ele.

Henry acabou sendo indicado líder do grupo pelo diretor, e levava a função a sério. "Eu lutava para fazer com que colegas fossem ouvidos."

A vida também ficou um pouco mais suportável. "Parei de apanhar e passei a ter acesso integral a meu irmão."

Nova acusação

No final de 2009, novos internos chegaram. Um deles, chamado Innocent, tinha problemas graves de saúde - sofria de asma, havia passado dias sem assistência em uma delegacia e tinha cortes nas mãos após ter sido amarrado.

"Eu sentia que ele estava doente, pois trabalhava lentamente. Mas Rosie não estava satisfeita com aquilo, e queria realmente fazê-lo trabalhar."

Uma vez, Innocent tentou fugir, e Henry foi enviado para capturar o debilitado colega, o que não demorou a acontecer.

Para punir o rapaz pela indisciplina, Rose ordenou que quatro novatos o agredissem com pedaços de bambu - 40 golpes ao todo. "Innocent nem conseguia gritar, ele estava sofrendo de verdade. Ele pediu água, mas ela negou. Ninguém se moveu para ajudar - ela estava no controle de tudo."

O jovem acabou morrendo em razão dos ferimentos. A polícia veio no outro dia e prendeu a enfermeira. Mas como era líder dos internos, Henry também acabou detido.

Dezoito meses após ser retirado da sala de aula e preso, ele agora era acusado de dois assassinatos e começava a acreditar que nunca seria solto.

"Disse a minha mãe que não me visitasse mais porque havia perdido a esperança."

Luz no fim do túnel

Em janeiro de 2010, um grupo de advogados americanos chegou a Ihungu. Um deles era Jim Gash, professor de direito na universidade Pepperdine, na Califórnia. A faculdade de direito da universidade havia desenvolvido uma relação próxima com o Judiciário de Uganda, oferecendo treinamento gratuito e programas de intercâmbio.

Era a primeira visita de Gash a Uganda. Após ouvir relatos sobre jovens passando longos períodos em centros de detenção no interior, sua equipe planejou uma semana de trabalho para preparar a defesa dos jovens, para que casos pudessem finalmente ir a julgamento.

"Eu era um 'volunturista'", diz Gash. "Achei que seria apenas uma experiência isolada." Ele não imaginava como seria seu envolvimento na causa.

"Quando entrei (no centro de detenção de Henry e do irmão), fiquei chocado e abalado emocionalmente, porque não havia energia elétrica, água encanada nem camas - apenas tapetes finos no chão, com fendas na parede (para ventilação) sem redes contra mosquitos. As crianças estavam em total desesperança", afirma o advogado.

A equipe não tinha um tradutor, mas quando chegaram ao centro descobriram que apenas dois dos 21 prisioneiros falavam inglês: Henry e o irmão. Os americanos se dividiram em dois grupos - Joseph ajudava um time, e Henry se tornou tradutor para Gash.

Eventualmente a equipe analisou o caso dos irmãos. As versões dos dois coincidiam exatamente. Eles estavam na escola quando a multidão atacou o homem, e foram impedidos de sair. Contatado pelos advogados, o diretor da escola confirmou a história.

"Não havia dúvida para nós, esses garotos estavam presos injustamente", diz Gash. O advogado voltou aos EUA, mas continuou em contato com Henry.

Julgamento

Dois meses depois, em março de 2010, as duas acusações contra Henry - e as de seus colegas de cadeia - foram a julgamento.

A primeira acusação - o assassinato de Imanriho - foi descartada imediatamente. O pai de Henry e o irmão foram liberados, mas o jovem teve que voltar ao centro de detenção até a conclusão do outro caso, sobre a morte de Innocent.

Ele se sentiu sozinho - seu irmão e outros 17 colegas de internação haviam sido liberados. Muitos se declararam culpados apenas porque o tempo que já haviam cumprido era maior do que o de eventuais punições.

Para o segundo julgamento, ele compartilhou um advogado com a enfermeira, também acusada no caso.

Já no tribunal, o pai de Henry viu uma das testemunhas da enfermeira receber propina para acusar o garoto.

A estratégia do advogado também preocupava - como Henry tinha apenas 17 anos, ele não poderia pegar mais do que três anos de prisão como pena máxima, então o defensor decidiu se concentrar no caso da enfermeira, que poderia ser condenada à morte.

De fato, o advogado buscou atribuir toda a responsabilidade ao adolescente. Não convocou testemunhas para defendê-lo, e o próprio jovem não foi convocado a falar no tribunal.

Em 22 de abril de 2010, Henry e Rose foram condenados por homicídio. A enfermeira pegou dez anos de prisão, e a sentença de Henry ainda dependia de um exame médico que provasse sua idade. Caso ele fosse identificado como adulto, já que os registros de identidade de Uganda são precários, poderia pegar até pena de morte.

"Foi quando tomei o primeiro avião", disse Gash. "Não sabia o que faria, mas sabia que alguém com quem me preocupava estava em grande sofrimento."

Comprovando a idade

Henry já havia sido examinado duas vezes, mas o tribunal determinara que ele deveria ser visto por um médico da polícia.

Isso deixou Gash nervoso, pela possibilidade de corrupção.

A família de Henry não tinha dinheiro para subornar ninguém, nem estava disposta a isso. "Ou então já poderiam ter saído da cadeia bem antes", diz Gash.

O advogado esperou ansioso enquanto Henry foi transferido até sua cidade natal para ser examinado.

"Foi um dos períodos mais tensos da minha vida", ele diz. "Se outro médico dissesse que ele tinha 18 anos, pegar uma pena de morte ou 25 a 30 anos de prisão era uma possibilidade real."

O médico da polícia confirmou que ele não era adulto, e ele acabou condenado a um ano em liberdade condicional. Como ele já havia cumprido o dobro desse tempo, foi libertado imediatamente.

Seus dois anos de prisão foram duros e angustiantes, porém muitos ugandenses têm que esperar muito mais por um julgamento - a média é de cinco anos.

A demora causa uma série de transtornos. "Quando o caso chega a julgamento, testemunhas morreram, se mudaram ou não têm mais interesse em participar", diz o diretor da Promotoria local, Mike Chibita.

Último desafio

Gash se mudou para Uganda por seis meses com o objetivo de ajudar a implementar um sistema para dinamizar o Judiciário local. Encontrava-se sempre com Henry, que estava de volta à escola e indo bem.

Mas Gash se incomodava com o fato de Henry ainda ter uma ficha criminal. Sabia que isso afetaria o futuro do jovem, e queria reverter essa situação.

Ele descobriu que havia uma possibilidade na legislação de Uganda que permite advogados visitantes representar um cliente, desde que com supervisão de um profissional local. Isso havia acontecido apenas uma vez no passado, com um advogado do Quênia.

Em 12 de março de 2013, o caso de Henry foi analisado por uma corte recursal. Gash o representou e se tornou o primeiro advogado americano a atuar em um tribunal de Uganda.

Depois foi preciso esperar. "Em Uganda você pode passar um longo período aguardando justiça", comenta Henry.

Em 2014, o jovem alcançou seu maior sonho ao ser admitido na universidade em Kampala para estudar medicina. Seu pai não sobreviveu para acompanhar o feito - morrera de câncer no fígado meses antes.

Dois anos após a apelação, em 19 de junho de 2015, Gash recebeu uma cópia da sentença por e-mail, após uma leitura pública. A condenação foi derrubada - o tribunal concluiu que o jovem não havia sido submetido a um processo justo, e também afastou a possibilidade de um novo julgamento.

O advogado chamou imediatamente Henry pelo Skype e leu a sentença em voz alta para ele, emocionado. "Você é um homem livre - você está liberado. Todas as acusações contra você foram retiradas."

"Quero agradecer por ter sido representado por um ótimo, perfeito advogado", disse um radiante Henry.

"Eu tive um ótimo cliente para representar - alguém inocente e que precisava provar sua inocência", respondeu Gash.

"Fiquei realmente feliz quando Jim limpou meu nome, meu Deus. Fiquei extasiado. Não consigo expressar minha felicidade quando isso aconteceu" afirma Henry, hoje com 22 anos.

Gash escreveu um livro sobre o caso e sua atuação no episódio, chamado Divine Collision (Colisão Divina, em tradução livre).

"A vida de Henry foi transformada. Por esse caso, o sistema de justiça criminal de Uganda passou a se transformar. E eu fui transformado", escreveu o advogado.

 

Fonte: http://g1.globo.com/

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