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Publicado em 1/02/2018 as 12:35pm

Trump e o estado da desunião

O presidente americano estendeu a mão aos adversários em pronunciamento ao Congresso. Difícil o gesto surtir efeito em ano eleitoral.

Pela segunda vez em menos de uma semana, o presidente americano, Donald Trump, deixou de lado seu jeito iracundo e adotou um tom conciliatório para tentar estabelecer uma ponte com adversários.

A primeira foi seu discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na última sexta-feira. A segunda foi no tradicional discurso do Estado da União, proferido em Washington diante da sessão conjunta do Congresso americano ontem à noite.

Trump falou por 80 minutos, o discurso mais longo desde o de Bill Clinton em 2000. Logo no início, se colocou na posição de presidente de todos os americanos, republicanos ou democratas. “Conclamo todos nós a deixar de lado nossas diferenças, a buscar um terreno comum e a invocar a unidade que precisamos entregar ao público que fomos eleitos para servir”, afirmou.

O principal teste à mão estendida de Trump será seu projeto de reforma nas leis de imigração, que pretende aprovar até março. Em desafio ao consenso entre acadêmicos e economistas, Trump afirma que os imigrantes criam problemas para a economia e para a segurança americana. Mas aceitou negociar um plano para garantir a cidadania a 1,8 milhão que chegaram ao país na infância.

Em troca, quer verbas para ampliar a segurança fronteiriça e erguer o célebre muro entre Estados Unidos e México, extinguir a loteria anual que sorteia vistos de permanência e acabar com o programa de reunificação familiar que permite, segundo ele, a um único imigrante “trazer virtualmente um número ilimitado de parentes distantes”.

“Esse quatro pilares representam um compromisso no meio do caminho, que criará um sistema de imigração seguro, moderno e legal”, afirmou. É duvidoso que a oposição aceite tal proposta. Diversos deputados democratas, sobretudo ligados ao grupo de defesa de interesses dos negros, boicotaram o discurso ou deixaram de aplaudir.

Como em Davos, Trump usou o bom momento econômico – crescimento de 2,3% e 2,4 milhões de empregos criados em 2017 – para defender sua gestão. Prometeu encaminar ao Congresso um plano para investir US$ 1,5 trilhão em infra-estrutura. Defendeu sua política para energia e o “carvão limpo”, expressão sem nenhum significado científico, mas indiscutível efeito de propaganda para seu eleitorado.

Cantou a glória da única realização legislativa de seu governo em 2017: a reforma tributária que reduziu impostos para cidadãos e empresas. “Depois de anos de estagnação, estamos finalmente aumentando salários.” É verdade que várias empresas anunciaram investimentos, bônus e aumentos a seus funcionários depois da reforma. Mesmo assim, os ganhos salariais na economia vêm caindo, depois de atingir o pico em novembro de 2016, segundo o Fed de Altlanta.

Trump proclamou vitória sobre o Estado Islâmico, defendeu o aumento de gastos militares e anunciou um decreto para manter aberta a prisão para acusados de terrorismo sujeitos apenas a lei marcial na base americana de Guantánamo, em Cuba – aquela que seu antecessor prometera fechar, mas não conseguiu em oito anos de mandato. Também declarou que pretende rever o acordo nuclear com o Irã.

Em vários momentos do discurso, usou histórias de gente comum para ilustrar seus pontos de vista. Em especial, quando atacou a tirania de Kim Jong-un na Coreia do Norte. Ele citou o caso trágico do estudante Otto Warmbier, preso numa viagem ao país, condenado a 15 anos de trabalhos forçados, devolvido aos Estados Unidos em junho passado e morto dias depois. Os pais de Otto choraram na plateia.

Perto deles, o dissidente Ji Seong-ho, que fugiu da fome, foi torturado, perdeu uma perna e hoje luta contra o regime de Kim na Coreia do Sul, ficou de pé sobre sua perna mecânica, levantou as muletas e foi aplaudido por toda a plateia quando Trump mencionou sua história.

Em seu discurso, concebido pelo chefe da Casa Civil, John Kelly, pelo assessor Stephen Miller e pelo secretário Robert Porter, Trump deixou de lado a retórica nacionalista, as referências históricas épicas e os ataques ao establishment republicano, típicas de seu ex-estrategista-chefe Steve Bannon, com quem rompeu recentemente. Diante do desafio que seu partido enfrentará este ano nas eleições legislativas, preferiu um tom mais ponderado.

É improvável que sua tentativa de conciliação dê certo em pleno ano eleitoral. O prestígio americano no exterior atingiu os níveis mais baixos na história da pesquisa Gallup. A popularidade de Trump despencou depois da vitória, embora tenha se recuperado um pouco nas últimas semanas.

A polarização que levou Trump ao poder favorece agora a estratégia democrata para as eleições. Ele se tornou um alvo fácil em torno do qual construir um discurso de campanha. Os republicanos ainda controlam as duas Casas do Congresso, mas dificilmente os democratas, que podem bloquear votações no Senado, darão a Trump vitórias legislativas que contribuirão para a eleição de republicanos.

O mais provável é que insistam em incriminá-lo pelas suspeitas de envolvimento russo na campanha de 2016 e por tentativas de bloquear as investigações. O New York Times noticiou na semana passada que Trump tentou demitir sem sucesso o procurador especial Robert Mueller, designado para o caso.

O comitê de inteligência da Câmara, controlado pelos republicanos, aprovou a divulgação de um memorando secreto do deputado Devin Nunes com críticas à ingerência política dos democratas na atuação do FBI e do Departamento de Justiça nas investigações. Em meio às denúncias, o número dois do FBI, Andrew McCabe, renunciou ao cargo.

A tensão em torno do caso mostra que, apesar da postura conciliadora de Trump no discurso do Estado da União, persistem intactos os motivos para a divisão do país em dois polos antagônicos. Sobretudo quando todos sabem que Trump é sempre o primeiro a atiçá-la com sua arma política favorita – não discursos refletidos como os de Davos e de ontem, mas as poucas dezenas de caracteres que dispara pelo Twitter.

Fonte: Helio Gurovitz

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