Publicado em 29/01/2015 as 12:00am
PM baiano desvenda tatuagens no mundo do crime
Palhaços, índias, magos, caveiras, bruxos, serpentes, polvos, aranhas, peixes, anjos, santos e demônios são figuras comuns nos presídios brasileiros.
Há pelo menos 10 anos, o capitão da Polícia
Militar baiana Alden dos Santos se dedica a traduzir os significados
destas e outras imagens desenhadas nos corpos de presos e suspeitos
de crimes no Brasil e no exterior. Seu estudo sobre os significados
das tatuagens gerou uma cartilha, adotada oficialmente como apoio a
investigações pela PM da Bahia.
"Foram detalhados os
significados de 36 imagens associadas a crimes específicos",
diz o capitão. "Muitas delas, além de se repetirem em todo o
país, aparecem nos mesmos padrões em países como Estados Unidos,
Rússia e locais na Europa."
Além de símbolos mais
conhecidos, como palhaços [associados a roubo e morte de policiais],
magos ou duendes [comuns entre traficantes], a pesquisa identificou
recorrência inusitada de personagens infantis, como o "Diabo da
Tasmânia", o "Papa-léguas" e o "Saci-Pererê".
O
primeiro sugeriria envolvimento com furto ou roubo, principalmente
arrastões. Já o Papa-léguas --ou sua variação mais comum, o
"Ligeirinho"-- indicaria criminosos que usam motocicletas
para o transporte de drogas.
O Saci também teria relação
com o tráfico: seus portadores seriam responsáveis pelo preparo e
distribuição dos entorpecentes.
Foi pelas redes sociais que
a pesquisa de Alden encontrou popularidade: mais de 5.000 pessoas
acompanham suas postagens no Facebook sobre supostas conexões entre
crimes e tatuagens, além de casos policiais não registrados pela
grande mídia.
Pelo YouTube, os vídeo publicados pelo PM já
foram vistos mais de 600 mil visualizações. O resultado final do
estudo já foi baixado pela internet por mais de um milhão de
pessoas.
Estigmatização?
Aproximadamente 50 mil
documentos e fotos foram coletados pelo PM: eles vêm de presídios e
delegacias, institutos médicos legais, jornais, revistas e redes
sociais --tudo isso somado a raras entrevistas com detentos de
prisões baianas.
"As principais informações
infelizmente não vieram dos presos em si. Há um forte código de
silêncio. As conclusões vieram mais pelo cruzamento de dados",
diz. Ele explica: "Levantamos, por exemplo, todos os presos que
tinham tatuagem do Coringa e cruzamos com suas sentenças. Havia um
padrão claro em seus delitos."
O padrão, segundo o
militar, indica "roubo e envolvimento com morte de
policiais".
"Portadores desta tatuagem demonstram
frieza e desprezo pela própria vida", explica o PM. "A
maioria parece absorver as características deste personagem
--insano, sarcástico, vida louca. Normalmente não se entregam fácil
e partem para a violência."
Questionado sobre a
estigmatização que a pesquisa poderia provocar sobre quem tem
imagens pelo corpo, o policial militar diz deixar claro que cidadãos
"nunca poderão ser abordados somente por apresentarem tatuagens
descritas na cartilha".
"Nosso objetivo não é
discriminar pessoas tatuadas, isso seria discriminar o próprio ser
humano, que há muito tempo usa tatuagens como forma de expressão",
diz o capitão Alden.
Ele diz que, para policiais, a
importância do estudo é ajudar o policial a salvaguardar sua
integridade física, no caso de tatuagens ligadas a mortes de
oficiais.
"Elas também funcionam como mais uma
ferramenta para facilitar o trabalho de reconhecimento de suspeitos",
diz, citando as imagens de carpas --estes peixes são frequentemente
associados à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Códigos
Além das imagens
figurativas, elementos gráficos, como pontos tatuados nas mãos,
também seriam indícios de crimes, segundo o pesquisador.
Um
só ponto preto indicaria "batedores de carteira". Dois, na
vertical, sugerem estupro. Três pontos, em formato de pirâmide,
apontam relação com entorpecentes.
O oficial não teme que a
divulgação dos símbolos iniba que a exibição ou confecção de
novas tatuagens suspeitas.
"A existência desse material
não fará com que as facções alterem seus códigos", diz
Alden ao #salasocial. "Por incrível que pareça, em vez de os
suspeitos deixarem de usar a imagem que os associam à prática de
determinado crime, o que percebemos é a lógica inversa: quanto mais
se tem consciência de que a polícia conhece, mas frequentes são as
imagens, como uma espécie de desafio."
Segundo o PM, a
tendência não se limita ao Brasil.
"O palhaço, com o
mesmo significado, é muito comum também na máfia russa, no México,
nos Estados Unidos, em Porto Rico. O mesmo ocorre com a índia
(mulher cabelos negros e longos, que já serviu para indicar quem
tinha autorização do tráfico para portar fuzis, hoje mais
associada à prática de roubos).
'PM gato'
Não são só as
"traduções" das tatuagens que garantem sucesso ao Capitão
Alden --mensagens como "Vc é muito gato. Com todo respeito. Mas
se faltar com o respeito vc me prende?" e "Tá lindo,
Capitão magia" são comuns nas fotos pessoais publicadas pelo
PM em sua página.
Chamado de "PM Gato", Alden
minimiza o sucesso pessoal nas redes.
"Eu uso a página
só para divulgação de trabalhos da polícia", diz. "Mesmo
com tanto assédio das mulheres, a intenção da página é
profissional."
Ele se diz surpreso com o alcance que suas
postagens vem ganhando.
"Gera muita repercussão e isso
me dá cada vez mais disposição de alimentar a página. A tatuagem
ainda chama atenção, mesmo sendo algo que já faz parte da própria
humana", afirma.
Fonte: uol.com.br